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domingo, 1 de novembro de 2015

OUTRAS VOZES



 Do Jornal i – entrevista a Pacheco Pereira - 31/10/2015
 (extrato)
- Mas fala da comunicação social sempre como se fosse uma entidade independente, sem laços sociais.

Não acho que seja uma entidade independente, pelo contrário, estou a enunciar as suas dependências, mas acho que é uma instância que não pode ser reduzida ao determinismo económico e político. É uma instância com autonomia, e essa autonomia não é toda boa, parte dela é corporativa: são as ideias circulantes da classe e o seu corporativismo e comportamento de rebanho, que diminui o seu pluralismo. É uma comunicação social muito moldada por uma aproximação ao político, que é em grande parte a que gerou Marcelo Rebelo de Sousa. Marcelo é o grande educador do jornalismo político, e deu-lhe a base interpretativa: os cenários, uma atenção ao calendário, os factos políticos, a que o Portas acrescentou as frases assassinas e os sound bites. E uma parte dos jornalistas formou-se nessa escola dupla: a do “Independente” e a do “Expresso”. E isso faz com que tenham uma aproximação muito pouco criativa e reagem muito mal às mudanças. Sempre me recusei a fazer cenários sobre estas eleições, dizendo que depois das eleições tudo muda tudo. Nós na história sabemos que o principal elemento dela é a surpresa, e estamos fartos de ter surpresas: o Estado Islâmico é uma surpresa, a Grécia não estava inscrito nem como começou nem como acabou. Há muita coisa nova, e que altera as regras de jogo. A elite jornalística, sobretudo a que faz opinião, que é muito próxima das direcções e dos donos e dos seus interesses, tem tendência a não se querer desdizer a si própria. E como nos últimos quatro anos muita gente alinhou no “é inevitável a austeridade”, “não há alternativa” e num discurso catastrofista, perante a possível alternância não podem perder a face. Isso aliado a uma enorme ignorância dá coisas como dizer que vamos regressar ao PREC e jornais que dizem barbaridades como quem manda em Portugal é o PCP. É de doidos.

- Como interpreta esta quase histeria quanto a um possível governo com apoio do PCP e do BE? 

Há um mito deste governo e o programa da esquerda. O que pode haver com um governo de António Costa é o que se chamava antigamente um programa mínimo. O programa máximo do PCP e do BE é a revolução: é mudar as relações económicas e sociais. Mas um acordo mínimo pode ser muito importante. Significa dar àqueles que nestes últimos anos sofreram uma folga considerável, e isso tem um valor político, podem sempre dizer fomos nós que conseguimos isso no meio de grandes dificuldades. Vejo às vezes comentadores dizerem que o PC vai perder a sua força na CGTP, esquecendo que há um aspecto importante na força das instituições que é aquilo que os americanos chama “deliver”, quer dizer, dar resultados. É um facto que, nestas circunstâncias difíceis, se não houvesse sindicatos isto seria muito pior. Estamos num período de grande mudança, como diz aquele provérbio atribuído aos chineses que na realidade é inglês, “que vivas tempos interessantes”, que é uma maldição e portanto exige homens e mulheres grandes.

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