Vemos, ouvimos, lemos... e
depois, que fazer?
Fernando Correia
Todos os dias milhões de portugueses
vêem os telejornais e outros serviços noticiosos da TV e da rádio, lêem jornais
ou vão «saber novidades» à Internet. Os media – falamos principalmente da
televisão – são a única forma de conhecerem (e, para muitos, também aprenderem)
o que, fora do seu circulo próximo, se passa no país e no mundo. E, no entanto,
que real conhecimento tem a generalidade dos portugueses desse mundo que está
por detrás e «fabrica» e «produz» as imagens, os sons e as palavras que nos
informam e nos ensinam, decisivamente influenciando as formas de conhecer e de
pensar a realidade, mas também de tomar decisões e agir?
Sublinhe-se que não é só de informação
que devemos falar, mas também de conhecimento. Temos no nosso país meio milhão
de analfabetos, mas muito superior é o número dos afectados pela iliteracia, e
mais ainda pela iliteracia mediática, tendo em conta que a compreensão do que
se vê e ouve na TV, desde logo nos programas informativos, exige um mínimo de
conhecimentos, espírito crítico, capacidade de enquadramento e de «leitura»
mediática de que a maioria não dispõe, independentemente do nível de
escolaridade. Quantas vezes ouvimos nós pessoas dizerem, peremptoriamente, «é
verdade» porque «vi na telelevisão» ou «disseram no telejornal»?
2. As dificuldades de apreensão por
parte dos telespectadores tem sido agravada nos últimos tempos pela quase
insânia tecnológica que invadiu os estúdios, dominados por imperativos
competitivos (mais tecnológicos do que jornalísticos…) que muitas vezes
conseguem complicar em vez de facilitar a vida do auditório. Termo simbólico
desta competição: «interactividade».
Em texto recente no Público, António Bagão Félix refere-se à situação com justeza e humor: «O ecrã televisivo nos
noticiários vem-se transformando numa salsicharia de notícias, quase-notícias e
não notícias. De tal sorte que só seres dotados de grande capacidade são
capazes de tudo abarcar: a voz do pivot, a imagem relacionada com a notícia, o
rectangulozinho (ou janelinha) do entrevistado, o rodapé 1 com a «última hora»,
que tanto pode ser uma verdadeira última hora, como uma frivolidade, às vezes
por cima do rodapé 2 com o discorrer de notícias (algumas já apodrecidas pelo
tempo), a indicação das horas, e, como se não bastasse, por cima da imagem dos
rodapés, ou mesmo sobreponível, a legendagem da prosa estrangeira. A isto
acrescem imagens virtuais em mutação ou acelerado movimento com cores a rodos, por
detrás dos intervenientes! É demais.»
«Quantas vezes ouvimos nós pessoas
dizerem, peremptoriamente, «é verdade» porque «vi na telelevisão» ou «disseram
no telejornal»?
Prossegue Bagão Félix: «Iniciada por
um qualquer canal e logo seguida mimeticamente pelos canais concorrentes (ainda
que com a televisão pública bem mais contida), a nova moda apresenta agora na
tal janelinha do entrevistado do lado direito e na parte maior do ecrã uma
sequência de imagens que se repetem a cada 30 segundos e provocam um irreprimível
entediamento, para não dizer náusea, ao serem vistas pela enésima vez. Ontem,
hoje e amanhã e depois de amanhã. (…) Há, ainda, um ponto que está para além
desta apoplexia visual. Refiro-me a um aspecto que é, no mínimo,
deontologicamente desonesto. É o de todos os dias se passarem
"quilos" de imagens de arquivo sem que tal esteja devidamente
assinalado ou datado no ecrã, já prenhe de tudo o resto. A larga maioria das
pessoas não tem possibilidade ou capacidade de distinguir o que é arquivo e o
que é actualidade. A confusão é total. Pior ainda, quando se trata de focar
alguém por uma qualquer razão, misturando suas imagens com outras pessoas em
momentos ou actos completamente desligados da substância da notícia. No
frenesim competitivo, não há lugar à ética dos cuidados. Tudo igual, tudo
indiferenciado, tudo misturado. Lamentável.»
3. Há outros aspectos, mais ligados
ao conteúdo do que à forma (se bem que sejam indissociáveis), que
quotidianamente nos chocam nos jornais televisivos, particularmente no campo
político, quer pelas abordagens dos temas quer… pela sua ausência. E o
silenciamento no telejornal equivale, de certo modo, à inexistência. Uma
atitude imediata é o espanto e a revolta, a que logo se segue desespero. A
primeira reacção é a vontade de denunciar, a segunda é a de que não vale a
pena, a terceira é a que acaba por prevalecer: no dia seguinte, estoicamente,
já sabendo o que nos espera, repetimos o mesmo calvário. Claro que é sempre
possível (e, parecendo que não, também útil) fazer um telefonema, escrever uma
carta, mandar um mail. Protestar vale sempre a pena. Pelo correio ou na rua. E
quantos mais forem os que protestam melhor.
Mas existem outras atitudes
possíveis e, tendo em conta a iliteracia mediática, mais produtivas,
nomeadamente estimulando e promovendo o debate público da problemática dos
media, que é uma das formas de os colocar onde devem estar: no centro da luta
política e ideológica. Torna-se cada vez mais necessário:
- Desenvolver a compreensão dos
mecanismos de produção da informação, na linha daquilo que no plano pedagógico
se chama «educação para os media», e que no pós-25 de Abril foi objecto no
ensino oficial de interessantes experiências, que urge recuperar, alargar e
aprofundar (Luís Lobo referiu-se já oportunamente ao tema nesta coluna).
- Criar associações de
telespectadores, ouvintes e leitores, movimentos de opinião, observatórios e
clubes de discussão dos media, a nível local, regional, nacional.
- Incluir a temática dos media nas
iniciativas dos movimentos associativo, popular e sindical, não só no plano da
denúncia e do protesto, quando for caso disso, mas também na perspectiva do
esclarecimento, recorrendo aos contributos de quem possa ajudar a «desvendar»,
por exemplo, como se constrói um telejornal, um noticiário, uma primeira
página, ou a desmontar o modo como determinado acontecimento surge na
comunicação social de forma que condiz com a realidade ou, pelo contrário,
desfigurado, amputado do que verdadeiramente significativo aconteceu.
- Dedicar a cada vez mais necessária
atenção à Internet, focando os pontos potencialmente negativos mas sem esquecer
as potencialidades enquanto forma de conhecimento, intervenção, participação,
informação e mobilização.
- Valorizar, debater e defender o
lugar do Serviço Público: RTP - Rádio e Televisão de Portugal e Agência
Lusa.
- Conhecer a diversidade e contextos
de trabalho dos profissionais da comunicação social, sem esquecer as questões
básicas relativas à propriedade dos media e à sua estreita relação com o
funcionamento do sistema capitalista.
A comunicação social é produto e
reflexo da sociedade, mas é também um seu poderoso instrumento e forte
alicerce.
Sem comentários:
Enviar um comentário