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domingo, 7 de fevereiro de 2016

Palavras, vozes, cabeças - Correia da Fonseca



Palavras, vozes, cabeças

Foi em «O último apaga a luz», título curioso de um programa de diálogo e debate da «RTP3», a antiga «RTP Informação» depois de recentemente metamorfoseada talvez com resultados positivos, talvez não, um dia destes se saberá. Falava-se (também mas não só) da recente eleição presidencial, dos seus resultados, dos factores que os terão explicado no todo ou em parte, e a certo passo um dos intervenientes no programa asseverou que «não é a comunicação social que governa o País». Ouvida assim, de passagem e no meio de muito mais conversa, a afirmação parece de relevância escassa e de fundamento óbvio: é sabido que quem governa o País é o Governo, como aliás a própria palavra logo torna evidente, pelo que não pareceria adequado perder mais tempo com a questão, se é que de questão se chega a tratar. Contudo, e ao contrário do que parece, o ponto merece reflexão e, porventura mais que isso, correcção. É certo que a comunicação social não nomeia os cidadãos a quem será confiada a governação, está aliás convenientemente distante dessa nomeação directa, mas o facto é que no terreno em que ela actua há-de florir, algum tempo depois e após adequada maturação, a escolha que sob a forma de voto livre e presumivelmente esclarecido designará quem vai mandar no País. E esse terreno onde foi lançada a sementeira é nem mais nem menos que as cabecinhas dos cidadãos.
Onde se fala de Goebbels
Não há muitos anos, uma estação de rádio lançou um «slogan» autopublicitário que, de memória mas com fidelidade ao essencial, se citará como segue: «(esta é) a estação que lhe diz o que você vai pensar!». Era, como se vê, um prodígio de franqueza, mas não era nada tolo: assumia com perspicácia, na parte que teria a ver com aquela estação, um diagnóstico de âmbito mais geral acerca da reacção de causa e efeito entre o «discurso» da comunicação social e os comportamentos dos cidadãos nas mais diversas áreas, desde a escolha do próximo carro a adquirir até ao sentido de voto nas próximas eleições. E é claro que neste quadro se incluem o governo a eleger e a política que por ele será praticada, pelo menos se o executivo eleito for honestamente fiel às promessas feitas em período eleitoral, o que nem sempre acontece, como bem sabemos. É também razoavelmente claro que não basta que a comunicação social tenha «voz»: é preciso que a use com clareza e com a insistência necessária. Quando, há um pouco mais de setenta anos, um sujeito de apelido Goebbels disse, por estas ou equivalentes palavras, que uma mentira repetida mil vezes é mais forte que uma verdade, limitou-se a enunciar uma regra fundamentalíssima da comunicação social quando transformada em manipulação social. Isto é: seguindo embora um outro itinerário verbal, disse que a comunicação social serve, sim, para governar um país. Ao contrário do sustentado pelo participante que na RTP3 e a avaliar pelo título do programa estará ali disponível para «apagar a luz». Serve para governar, embora não em regime de exclusividade, isto é, não sendo o único instrumento a usar, que isto de governanças é matéria complexa. Porém, a questão não acaba aqui: quem fala em governar poderá falar também em projectos diferentes para o cardápio de acções políticas, para mudanças de fundo nas estruturas sócio-económicas, para outros cenários de futuro. Também para isso, e decerto para ainda muito mais, a comunicação social é de primeiríssima importância, o que, já se vê, tem de estar no primeiro plano da nossa permanente atenção. O que era sabido por Joseph Goebbels quanto às mentiras não pode ser ignorado por nós quanto às verdades que, por obstruções diversas e por vezes terríveis, temos dificuldade em fazer passar. As verdades, temos de repeti-las mil vezes. E bem, isto é, eficazmente. Para encurtarmos o trajecto entre o presente e o futuro.

Correia da Fonseca

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