Palavras, vozes, cabeças
Foi em «O último apaga a luz»,
título curioso de um programa de diálogo e debate da «RTP3», a antiga «RTP
Informação» depois de recentemente metamorfoseada talvez com resultados
positivos, talvez não, um dia destes se saberá. Falava-se (também mas não só)
da recente eleição presidencial, dos seus resultados, dos factores que os terão
explicado no todo ou em parte, e a certo passo um dos intervenientes no
programa asseverou que «não é a comunicação social que governa o País». Ouvida
assim, de passagem e no meio de muito mais conversa, a afirmação parece de
relevância escassa e de fundamento óbvio: é sabido que quem governa o País é o
Governo, como aliás a própria palavra logo torna evidente, pelo que não pareceria
adequado perder mais tempo com a questão, se é que de questão se chega a
tratar. Contudo, e ao contrário do que parece, o ponto merece reflexão e,
porventura mais que isso, correcção. É certo que a comunicação social não
nomeia os cidadãos a quem será confiada a governação, está aliás
convenientemente distante dessa nomeação directa, mas o facto é que no terreno
em que ela actua há-de florir, algum tempo depois e após adequada maturação, a
escolha que sob a forma de voto livre e presumivelmente esclarecido designará
quem vai mandar no País. E esse terreno onde foi lançada a sementeira é nem
mais nem menos que as cabecinhas dos cidadãos.
Onde se fala de Goebbels
Não há muitos anos, uma estação de
rádio lançou um «slogan» autopublicitário que, de memória mas com fidelidade ao
essencial, se citará como segue: «(esta é) a estação que lhe diz o que você vai
pensar!». Era, como se vê, um prodígio de franqueza, mas não era nada tolo:
assumia com perspicácia, na parte que teria a ver com aquela estação, um diagnóstico
de âmbito mais geral acerca da reacção de causa e efeito entre o «discurso» da
comunicação social e os comportamentos dos cidadãos nas mais diversas áreas,
desde a escolha do próximo carro a adquirir até ao sentido de voto nas próximas
eleições. E é claro que neste quadro se incluem o governo a eleger e a política
que por ele será praticada, pelo menos se o executivo eleito for honestamente
fiel às promessas feitas em período eleitoral, o que nem sempre acontece, como
bem sabemos. É também razoavelmente claro que não basta que a comunicação
social tenha «voz»: é preciso que a use com clareza e com a insistência
necessária. Quando, há um pouco mais de setenta anos, um sujeito de apelido
Goebbels disse, por estas ou equivalentes palavras, que uma mentira repetida
mil vezes é mais forte que uma verdade, limitou-se a enunciar uma regra
fundamentalíssima da comunicação social quando transformada em manipulação
social. Isto é: seguindo embora um outro itinerário verbal, disse que a
comunicação social serve, sim, para governar um país. Ao contrário do
sustentado pelo participante que na RTP3 e a avaliar pelo título do programa
estará ali disponível para «apagar a luz». Serve para governar, embora não em
regime de exclusividade, isto é, não sendo o único instrumento a usar, que isto
de governanças é matéria complexa. Porém, a questão não acaba aqui: quem fala
em governar poderá falar também em projectos diferentes para o cardápio de
acções políticas, para mudanças de fundo nas estruturas sócio-económicas, para
outros cenários de futuro. Também para isso, e decerto para ainda muito mais, a
comunicação social é de primeiríssima importância, o que, já se vê, tem de
estar no primeiro plano da nossa permanente atenção. O que era sabido por
Joseph Goebbels quanto às mentiras não pode ser ignorado por nós quanto às
verdades que, por obstruções diversas e por vezes terríveis, temos dificuldade
em fazer passar. As verdades, temos de repeti-las mil vezes. E bem, isto é,
eficazmente. Para encurtarmos o trajecto entre o presente e o futuro.
Correia
da Fonseca
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