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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

A manipulação como vício - Correia da Fonseca



A manipulação como vício

Foi no passado domingo, no decurso do serão televisivo que se seguiu imediatamente ao conhecimento das primeiras sondagens. Como era previsível, desde cedo ficou clara a possibilidade da vitória à primeira volta de Marcelo Rebelo de Sousa. É certo que a escassa votação conseguida pelos dois candidatos apoiados por figuras do PS poderia dar algum regozijo aos pêèssedaicos em geral e, em especial, aos que fazem o seu trabalho nos estúdios de televisão, mas foi óbvio que esse reconforto não bastava para lhes saciar o vício da manipulação que aparentemente se tornou a sua mais forte característica profissional, fenómeno cuja gravidade se agrava quando ocorre na operadora pública de TV, paga pelos cidadãos de direita ou de esquerda. Assim, os telespectadores foram impedidos de ouvirem integralmente o comentário proferido por qualquer comunista, por muito que ele tenha sido convidado precisamente para comentar o acto eleitoral e os seus resultados a partir do estúdio: sempre surgiu um pretexto para o interromper, para acudir com urgência a um qualquer pedaço de reportagem algures, para de facto exercer alguma censura «justificável». É de esperar, naturalmente, que esse tão esforçado trabalho, essa tão óbvia vocação para a função de colocador de mordaças invisíveis mas perceptíveis, seja reconhecido e recompensado no plano das carreiras profissionais. Como já aqui foi registado não há muito tempo, «Roma» já paga a traidores; não espantará que pague também a servidores de relevo menor.
O triste «show» da noite
É claro, e ninguém o negará, que os resultados alcançados por Edgar Silva ficaram aquém do desejado e do que era legítimo esperar. Esse facto, porém, implica que lhe busquemos as causas e, assim, que nestas colunas, por obrigação especialmente atentas ao que vai acontecendo nos ecrãs dos nossos televisores, registemos a permanente cruzada anticomunista que na TV portuguesa vai decorrendo dia após dia, toda ela feita de distorções e de maiores ou menores calúnias explícitas ou implícitas, por vezes animadas por uma transparente hostilidade por parte de um ou outro dos profissionais que lhes dão voz e imagem. No serão do passado domingo, a actuação do quase emblemático José Rodrigues dos Santos avizinhou-se do caricatural: o sujeito exibia-se num estado de grande excitação perante a expectativa de a votação em Edgar Silva ser superada pela votação em Vitorino da Silva, Tino de Rans. De poucos em poucos minutos, à chegada de mais resultados parciais vindos sobretudo do Norte, José Rodrigues dos Santos embandeirava em arco, digamos assim, esbracejava numa espécie de foguetório gestual. Quando, com a chegada de mais e mais substanciais resultados, Edgar Silva passou para a frente de Tino, como seria expectável e normal, o Santos calou a informação durante largos minutos numa clara exibição de mau perder, má-fé e mau profissionalismo. Há gente assim, é claro, que não se enxerga, como dizem os brasileiros. Na verdade, o minúsculo «show» de José Rodrigues dos Santos foi o mais ridículo apontamento da noite, mas era evidente que o homem não se continha. Teve, porém, um mérito: ao nível da caricatura, foi a denúncia da militância anticomunista que integra a respiração quotidiana da televisão portuguesa. Que decerto não explica tudo, mas que seguramente explica alguma coisa.

·         Correia da Fonseca

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