Ilona Staller/Cicciolina, deputada-cromo.
(Assembleia da República, 19/11/1987)
Novo busto da República?
Recepcionista do Palácio de Belém?
Beppe Grillo,
senador-cromo.
Mário
Jardel, deputado-cromo.
As
recentes eleições para a Presidência da República ampliaram o efeito e
demonstraram a eficácia das campanhas de imagem. Venceu, como era das previsões
político-climáticas, o candidato mais vendível a públicos tele(visados). A
promoção de ícones não é um monopólio das tevês, mas os restantes meios são
subsidiários ou retrógrados. No Ocidente, uma grande televisão tem mais força
do que uma grande religião. Os fanáticos ou fiéis do écran são formatados pelo sistemicamente catalogado e homologável.
Milhões de telespectadores são diariamente alimentados por via auditiva e
visual. Jazem ligados à máquina. Só algumas minorias têm capacidade de
autodefesa nacional e global. As fábricas de moldes e modas operam em laboração
contínua. O processo de captura e persuasão de audiências conta, à partida, com
inúmeros complacentes e cúmplices, viciados em tablets em vez de tabuadas, instados a trocar convicções por caras.
O culto do padroeiro, dos posters da
realeza, das vampices e vipices aburguesadas, dos cromos futebolísticos, das
beldades de passarela e dos galãs e barbies
do cinema, dos ídolos da canção – assenta no indivíduo-show, no iluminado-bafejado pelos holofotes. Os programadores de
atracções fazem entrar pelas nossas casas dentro profissionais da demagogia e fantoches
da diversão. Ocupam, em tempo real, o centro das salas e a parede nobre dos
dormitórios. São armas apontadas a alvos. Procuram e conseguem rebaixar os
níveis de atenção e selecção. Objectivo: transformar cabeças humanas em cabeças
de gado. O poder mediático, pouco a pouco, torna o bicho ou a bicha num
familiar, e assim canoniza qualquer criação ou criatura com recorte e potencial
para servir os donos disto tudo. Para culminar os toques e retoques dos
tevê-eleitos, irrompem, de canal em canal, dezenas de comentadores, quase todos
abalizados e quase todos simuladores de independência, provindos de
universidades católicas e laicas e de outras linhas de montagem e lavagem de
cérebros.
Haverá
ainda e por aí quem se espante? É a sociedade
do espectáculo como modelo de sequestro psicopcional, de infantilização e
degradação do espaço cívico e cultural. Exemplos triunfantes: Cicciolina e
Grillo, a actriz pornográfica e o comediante da Itália das berlusconices, a
concubina feita rainha, o bobo feito rei; Jardel (Brasil), antigo futebolista,
analfabeto relapso, teve direito a puta-secretária e a conexões com corleones
locais. E por aí adiante, Deus meu! A lista seria abundante, exuberante. A
democracia burguesa é inclusiva: jamais excluirá ladrões de estirpe, criminosos
de guerras convencionais e assimétricas, truões sem noção das cenas que fazem,
safadinhas de anúncios classificados, fala-baratos de cátedra, dealers de interesses, ideias ou ideais
(grossistas e retalhistas).
Marcelo Rebelo de Sousa, presidente-cromo.
Marcelo
tirou cursos de cadeirão académico, de líder partidário, de conselheiro de
presidente da República e de candidato a presidente da Câmara e a presidente da
República. E, além de ter ido repetidamente à praça como professor-opinador de
todas as matérias, foi protagonizando rábulas de engraçadinho da turma. Pelos
vistos, o chamado povo gosta do género: 24 de Janeiro dixit. Marcelo ganhou à primeira, com apoio maciço e massivo dos
equipamentos mediáticos e apoiado nas suas graças. Que de muitas é ornado.
Rezam os boletins. Recebeu um embaixador em cuecas. Fugiu dos fotógrafos em
mota de água. Lançou-se ao Tejo para um banho de poluição e saiu limpo e vivo.
Guiou um táxi pelas mourarias, com mini-saia no banco traseiro. Travestiu-se de
gentil coiffeur de balzaquianas.
Estacionou num lugar reservado a deficientes. Sabe-se lá que mais lhe debitam
ou virão a averbar no currículo. Mas não foram nem serão as
traquinices-marcelices o grande risco para as barreiras constitucionais e para
as expectativas dos portugas em geral
e dos seus votantes em particular, muitos provavelmente distraídos, levados na
onda hertziana.
O
que advirá? Aguentem, aguentem! O entertainer
seduziu e poderá abandonar, na primeira e apertada curva, milhares ou milhões
de teledependentes-telede(votos). Mas a decepção não será universal: neste
preciso momento, há um cidadão feliz em Portugal e que dificilmente se
arrependerá de haver apostado no filho do ministro de Salazar e putativo
afilhado de Caetano: Ricardo Salgado (o do banco sólido e confiável) terá um
amigo do peito em Belém. Preocupante será que Marcelo, como Cavaco e Passos e
Portas, abdique de ser presidente dos portugueses e se trespasse, no meio das
travessias e travessuras, como presidente-delegado de Bruxelas, do BCE, do FMI
e de corporações autóctones de idêntico jaez.
Pior do que Cavaco não será possível. Diz-se.
Assevera-se. Jura-se. Arrenega-se. Mas Marcelo deu uma cabazada nas eleições e,
em termos de conservadorismo táctico-militante e da carteira de compromissos,
era o mais enfeudado dos dez candidatos. Há muitos anos que, na Cromolândia,
não vencem os melhores. Que mais, caríssimos?
Temos
o Santo Marcelo entre nós. Obrigado, portugueses!
César
Príncipe
Fiasco do Edgar? Ó anónimo, deixe-me perguntar-lhe se fazia a mínima ideia da existência daquele talento? Daquela capacidade de expressar convicções? Daquela força interior? Daquela força moral?
ResponderEliminarParece-lhe que foi por defender os trabalhadores, de lutar por maior justiça social, que teve o resultado que teve?
Parece-lhe, pormenores à parte, que o Bloco de Esquerda não defendeu o mesmo que o PCP?
Parece-lhe, não fora o anticomunismo que se cultiva na nossa comunicação social, o Partido Comunista não seria esmagadoramente maioritário, correspondentemente aos interesses de classe que defende?
Ò senhor anónimo, quando diz que o facto do BE ultrapassar o “vetusto” PCP é que mete medo, está cheio de razão. Só que contrariamente ao que parece pensar, quem está cheio de medo do que se está a passar em Portugal não é o PCP, é a Direita e por isso faz deste resultado uma tragédia para o PCP, do mesmo modo que uma ironia de Jerónimo de Sousa, sobre as graças do BE, são transformados num importante, mas ridículo facto político.