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sábado, 19 de dezembro de 2015

'jornalistas dispostos a lutarem'


(Rogério Ribeiro)

A coragem de dizer não
17 de Dezembro de 2015
«Nunca foi tão importante para um jornalista em início de carreira ter a coragem de dizer não. Não às listas inúteis, aos gatos e aos anúncios natalícios sentimentais» – alertou o jornalista Fábio Monteiro, prémio Gazeta Revelação 2014, na cerimónia de entrega dos prémios, ontem, em Lisboa.
Não é a primeira vez que o melhor discurso da noite pertence ao vencedor do prémio Revelação. E essa revelação paralela é a garantia de que a indústria jornalística pode estar doente, mas que há novos jornalistas dispostos a lutarem para que o jornalismo não perca os valores que o tornam um pilar fundamental da democracia e da evolução. [leia aqui o discurso na íntegra]
Também o presidente do Clube de Jornalistas, Mário Zambujal, chamou a atenção para «os problemas com que se debate o jornalismo português», o «lado amargo» da profissão, num dia de festa.
«Sucedem-se ondas de despedimentos numa época de acontecimentos históricos, em Portugal, na Europa e no Mundo», lembrou. «Encolhemos e enfraquecemos quando a necessidade da boa informação cresce, para defesa da cidadania e da democracia. NÃO FAZ SENTIDO.»
Os jornalistas despedidos não foram esquecidos por todos os premiados, que, de uma maneira ou outra, manifestaram a sua solidariedade.
Fernando Paulouro Neves, distinguido com o Gazeta de Mérito, sublinhou que «vivemos agora dias que parecem voltar a ter eco no poema de Alexandre O’Neill sobre a sociedade portuguesa, quando os seus versos diziam “o medo toma tudo”. Aí o temos de novo, com pezinhos de lã ou nem tanto: o medo de pensar em voz alta (nas redacções também, não vá o diabo tecê-las…), o medo da precariedade do emprego e da pobreza, o medo de existir, como escreveu José Gil.»
O ministro da Cultura, João Soares, que presidiu à cerimónia, assegurou que o governo fará tudo o que estiver ao seu alcance para preservar a liberdade de imprensa e travar a destruição de postos de trabalho.
O presidente da Caixa Geral de Depósitos chamou a atenção para a importância do sector bancário, hoje sob fogo cerrado, e fez um apelo aos jornalistas para informarem com precisão e rigor sobre as instituições bancárias.

Uma linguagem perversa e embrutecedora a que é preciso resistir
17 de December de 2015

Os manuais de jornalismo já não servem para nada,
empacotem a deontologia.
Nasceu uma novilíngua noticiosa em Portugal.
É preciso desenrascar, é preciso fazer o que se pode.
Giras, leves, curtas e, como não podiam deixar de ser, sexys. Estes são alguns dos adjetivos utilizados hoje para descrever o que é uma boa notícia, dentro de muitas, para não dizer todas, as redações. A reportagem é falada como uma espécie em vias de extinção: os outros fazem, os outros podem, alguém copia, ninguém lê.
Nada disto é por acaso.
Esta linguagem neoliberal, perversa, embrutece qualquer país.
Quando o mérito é medido com base no números de cliques por peça, a plastificação das notícias é só o primeiro passo. Aos jornalistas, pede-se humildade, dedicação.
É difícil não aderir ao porreirismo, modo inato de sobrevivência português. Questionar é pecado, por em causa é um ato de presunção.
Não, não, não. Nunca foi tão importante para um jornalista em início de carreira ter a coragem de dizer não. Não às listas inúteis, aos gatos e aos anúncios natalícios sentimentais.
Não a mediocrizar esta profissão.
A precariedade assusta, mete medo. O desemprego ganha contornos de fobia. Estarei a ser dramático? Vim hoje aqui receber um prémio, que muito agradeço, cujo último vencedor que conseguiu ficar a trabalhar a tempo inteiro, em Portugal, foi o de 2008.
Desculpem-me por não partilhar o otimismo do Garcia Marquez sobre o jornalismo ser a melhor profissão do mundo.
Muito pelo contrário: acho que o jornalismo é uma das profissões mais perigosas, e não só pelas razões óbvias.
Deixamos de ser o Fábio, o Pedro, a Catarina, para ser o/a Jornalista. É esta a identidade que por vezes morre, quando se é despedido.
O desespero de não poder continuar a escrever, filmar ou fotografar, é gigante. E pode levar a situações limite, como bem sabemos.
É por isso que muitos fazem cedências, que passam a encarar os seus postos de trabalho como um privilégio, em vez de um direito. Principalmente os jovens, como eu. A utopia do grande jornalismo foi deixada para os idealistas, cuja sanidade mental é sempre posta em causa, por aqueles que se adaptam.
É imperativo ter a coragem de dizer não. Essa é a minha única esperança. Porque há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não. Os que resistem, os que dizem não, os que estão aqui presentes, esses são os jornalistas.
Fábio Monteiro
16 dezembro 2015

Na cerimónia de entrega dos Prémios Gazeta 2014

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