COMUNICAÇÃO A
comunicação social é, na sociedade actual, um negócio e assim deve ser
observado e analisado. Mas não é um negócio qualquer, pois à dimensão económica
junta-se a ideológica.
LUSA
Estava-se em plena campanha para as
eleições europeias, céu azul e limpo, do helicóptero a visão era boa. Paulo
Rangel apreciava o panorama desolador da extensa área devastada pelos incêndios
de há dois anos no centro do País. Distribuiu acusações – incompetência,
descuido e incúria. Posteriormente, confrontado com a oportunidade e interesse
jornalístico da visita descaradamente eleitoralista, respondeu, com algum
cinismo, que bastava verificar a presença ali dos repórteres e ver o tempo
ocupado nos noticiários para comprovar que sim. Os média estavam lá, portanto
havia interesse...
Rangel tinha razão. O expediente
encontrado para aparecer nos ecrãs e dizer umas coisas, resultara. A ideia do
voo oportunista, certamente magicada por um assessor mais expedito, alcançara
os objectivos, permitindo ao candidato considerar que o evento tinha valido a
pena por ter atraído a presença dos profissionais da comunicação social e ele
ter aparecido nos telejornais.
O
interessante e o importante
O episódio, em si menosprezável, não
mais do que um entre muitos exemplos do que é o oportunismo de certos
políticos, em eleições ou fora delas, serve-nos apenas como pretexto para
chamar a atenção de que neste caso, como em muitos outros semelhantes, estamos
muito longe da definição do interesse jornalístico baseado nas boas
regras da profissão, isto é, visto como sendo de interesse público. Que
claramente se distingue de coisa bem diferente, que é aquilo que eventualmente
poderá ser chamado interessante para o público.
O interesse público tem a ver
com o que é importante para as pessoas saberem, na medida em que lhes traz
informação nova e relevante para si e para os outros; tem também de ser
acessível e criar interesse (no bom sentido) para o conhecimento da realidade,
em toda a sua amplitude e complexidade, e para a capacidade de nela participar
e intervir; tem de «explicar», no sentido de contribuir para a compreensão das
causas e das consequências, dos porquês, combatendo o mero criticismo sem
sentido de futuro.
O interesse do público é, no quadro em que
aqui estamos a falar, o que geralmente se fica pela superficialidade, pela
ligeireza, pela futilidade, muitas vezes, em termos de comunicação social, pelo
sensacionalismo e ou a propaganda, dando corpo às grandes audiências e às
grandes tiragens. E à alienação, no sentido em que Marx lhe deu, na relação
entre o homem e o trabalho, mas também, mais genericamente, no sentido do
afastamento e distanciação das realidades sociais, políticas e económicas,
profundas e causais do mundo circundante.
O interesse do público, no sentido
em que dele aqui falamos, está subjacente à cultura mediática em Portugal (e
não só) e alicerça-se em causas profundas de natureza sociopolítica, cultural e
educativa, ligadas estruturalmente à natureza da sociedade capitalista.
Remete-nos para a luta pelas audiências, o aumento das tiragens, a competição
entre órgãos de comunicação e empresas – isto é, para o jornalismo como
negócio.
A ideologia
também interessa
Mas um negócio, nunca é demais
sublinhar e recordar, que além de económico é simultaneamente ideológico,
seguindo as boas e velhas – vêm do séc. XIX... – regras do capitalismo. Um
negócio que ao mesmo tempo que dá lucro (e quando não faz vende-se a loja e
está feito) continua a ser caracterizado –- pela existência de um elevado grau
de concentração da propriedade nas mãos dos senhores do dinheiro. Ao arrepio flagrante e intolerável da Constituição,
nomeadamente dos artigos 38.º e 39.º.
É sabido: em Portugal os
cincomaiores grupos de
comunicação social são donos de praticamente todos os órgãos de maior
importância e influência na imprensa, na rádio, na televisão e nas plataformas
digitais de informação, com excepção do que pertence à Igreja Católica (grupo
Renascença e dezenas de órgãos de imprensa regional e local) e ao Estado (RTP e
Lusa).
Sublinhe-se que a influência dos média sobre as formas de pensar e agir não se exerce
apenas através da imprensa noticiosa ou dos conteúdos do entretenimento, tanto
na TV como na imprensa, rádio e online. A verdade é que o número de títulos e
as tiragens das revistas femininas, cor-de-rosa e de televisão (geralmente mais
de fofocas do que outra coisa) ultrapassam muito largamente as dos diários e
semanários.
Atente-se nos números. Os jornais
diários de informação geral ditos de expansão nacional (e ditos porque
alguns vendem-se praticamente só no norte e outros só no sul), entre Janeiro e
Abril passados e tendo em conta as vendas em banca, o Correio da Manhã, cuja
política editorial é a que é, registou uma média diária de 73.192 exemplares,
quase tanto como os outros diários nacionais juntos, incluindo os desportivos –
Jornal de Notícias 31.918, Record 28.051, Público 13.620, O Jogo 10.061 (A Bola
não é auditada e o Diário de Notícias passou em Julho a semanário).
Outros interesses, outros negócios…
A ligação entre osmédiadominantes, em qualquer das suas plataformas,
e o capitalismo é estrutural. Através da propriedade, naturalmente, mas também,
desde logo, no alargamento da implantação destes grupos a outras áreas do
sector, na sua proximidade com o capital financeiro e na sua dependência da
grande publicidade.
Três dos
grandes grupos – Impresa, Cofina e Global – são proprietários, em partes
iguais, da VASP, a maior distribuidora nacional de jornais e revistas. Alguns
deles possuem grandes empresas gráficas: é o caso da Global, dona da
Naveprinter, que imprime todos os jornais do grupo e outros de âmbito regional.
A Global e a Impresa são accionistas, respectivamente com 23,6 por cento e
22,35 por cento, da agência de notícias Lusa, onde o Estado, no entanto, mantém
a maioria do capital – e seria um desastre, para não dizer coisa mais feia, que
cedendo à pressão da direita deixasse de ter uma posição maioritária na única,
e prestigiada, agência de notícias nacional e também do mundo lusófono (Brasil
excluído).
A proximidade ao capital
financeiro revela-se pela presença da banca, directa ou indirecta, no capital
social dos grupos. A maior participação directa é no Global Media Group,
através doMillennium BCP do Novo Banco(com 15% cada), mas na Impresa estão o
BPI e o Santander, na Media Capital a Caixa de Aforros da Galiza e na Cofina o
Crédit Suisse e o Santander.
Os interesses alargam-se
também para fora dos média, numa estratégia exterior à comunicação social
propriamente dita. Por exemplo, A Global Media criou o
ano passado, «no quadro de expansão das áreas de negócio do grupo, com consequente
organização funcional», uma nova estrutura denominada Direcção de Novos
Negócios e Internacionalização. A dona do Diário do Notícias, O Jogo e TSF,
adianta que a Comissão Executiva «decidiu criar uma nova estrutura directiva
denominada Direção de Novos Negócios e Internacionalização», sob cuja tutela
estarão as áreas de e.commerce, e.gaming, eventos e brindes.
... e aí
temos o Hotel SIC!
Mas a Impresa surpreendeu com um
passo inesperado. Francisco Pedro Balsemão, presidente executivo do grupo Impresa,
propriedade de seu pai Francisco Pinto Balsemão, disse ao Expresso em
Fevereiro: «Criar um hotel com o nome da SIC é uma ideia que estamos a pensar
há mais de um ano, e surgiu da força que a marca [a marca, eis o termo agora utilizado no meio, importado donde
importa, ou seja, a publicidade] está a ter junto do público, a par do apelo
muito forte que o mundo da televisão, com todo o seu glamour, desperta nas
pessoas.»
Acrescentou Francisco Pedro: «Somos
líderes de mercado, e este bom momento que a SIC vive é a melhor altura para
embarcarmos em projectos que valorizam a marca em outros domínios, como o
turismo, que também está em grande crescimento.»
Continuando a citar o Expresso, «num
momento de alta para o mercado da televisão, e em que a Impresa acabou de
inaugurar oficialmente o seu novo edifício em Paço de Arcos, o CEO do grupo
gostaria que o hotel SIC começasse a ser desenvolvido já em 2019, para poder
abrir as portas em 2020».
De novo Francisco Pedro: «Quanto
mais cedo melhor, mas o prazo ainda não está definido e terá de ser acordado
com o investidor, a par das intervenções necessárias (...) não somos nem
queremos ser peritos em hotelaria, a SIC não vai ser um hoteleiro nem avançar
com investimentos imobiliários, não vamos investir capital nosso na construção,
pois o nosso core é produzir conteúdos editoriais e audiovisuais». O hotel vai
funcionar numa «parceria tripartida», em que a SIC fornece os conteúdos
temáticos (o que inclui cedência de material para um novo estúdio) e a
BlueShift assegura a gestão em franchise, estando o projeto agora na
fase de procurar o «terceiro parceiro», o investidor que entrará com o ativo.
«Procuramos proprietários ou
exploradores de hotéis em Lisboa que vejam neste projeto uma oportunidade de
conversão das suas unidades para um conceito único, e que acreditamos terá
níveis de rentabilidade muito acima da média do mercado», garante ao semanário
Filipe Santiago, sócio-administrador da BlueShif, esclarecendo: «já
identificámos cerca de 30 ativos em Lisboa que reúnem as características que
consideramos necessárias para a implementação do conceito.» Segundo o que foi
dito ao Expresso, «como requisitos necessários para o Hotel SIC, destacam-se o
facto de ter no mínimo 100 quartos, e uma superfície grande de lobby e áreas
comuns com vista a instalar aí o estúdio televisivo que é a âncora do projeto.»
Quem diria?
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