CONJUNTURA NACIONAL > Cinismo e hipocrisia
Lula já pode falar e sites
bolsonaristas viram heróis da liberdade de expressão
Por Ricardo
Kotscho
“Os dias não andam fáceis. Defensores da
ditadura e do golpe
se fazem agora de paladinos da
liberdade de expressão. Em alguns casos, são os mesmos que mandam recados para
ministros do Supremo: `Não ousem soltar Lula´” (Reinaldo Azevedo, na Folha).
No Brasil
virado de pernas para o ar, um dia nunca é igual ao outro, mas todos são
esquizofrénicos.
O que valia
num dia já não vale no outro, canalhas viram heróis, grandes defensores dos
direitos humanos e da liberdade de expressão, as leis mudam de acordo com os interesses
e o humor de quem julga, o que era proibido está liberado e vice-versa.
Até
Bolsonaro agora virou defensor da imprensa livre e das terras indígenas e o
general Mourão, que já pregou o golpe, apresenta-se folgazão como poder
moderador.
No mesmo dia,
após um festival de lambanças jurídicas, quase entrando em autocombustão, o STF
de Toffoli & Moraes tirou a censura de dois sites bolsonaristas e liberou
Lula para dar entrevistas.
Agora, o
ex-presidente pode falar o que quiser porque a eleição já passou, Bolsonaro
ganhou e a mordaça de Luiz Fux, confirmada por Toffoli, já não tem mais
serventia.
Aonde
estavam todos eles, que agora se sentem tão ofendidos com as críticas ao STF,
quando o linchamento moral tomou conta das redes sociais no ano passado, com kits
gay e mamadeiras de piroca, no vale tudo que decidiu a eleição depois da facada
misteriosa e da prisão de Lula?
Os mesmos
paladinos que agora saíram em defesa dos dois sites irrelevantes, que pouca
gente conhecia, não se manifestaram quando, numa canetada, Fux proibiu os
jornalistas Florestan Fernandes Junior e Mônica Bergamo de entrevistarem Lula
às vésperas da eleição.
O cinismo e
a hipocrisia dessa gente não tem limites ao ver um microfone na frente para
falar o que os donos da mídia querem ouvir.
Estão pouco
se lixando para os ataques diários aos direitos fundamentais.
Não se
interessam pelo acobertamento dos crimes praticados pelas milícias.
Acham
normal, apenas “fatalidade”, uma blitz do Exército matar com 80 tiros um músico
que estava no carro com a família e o catador que tentou salvá-lo.
Só lhes
interessa agora a reforma da Previdência e a privatização da Petrobras, o resto
que se dane.
Mais do que
os discursos desconexos do capitão reformado, assustam-me os comentários que
leio nas redes sociais, em que se comemora o suicídio de Alan Garcia e se prega
a morte dos adversários políticos.
“Nesse
terreno, se constrói a casa de tolerância do malandro com aspirações
autocráticas”, escreve Vinicius Torres Freire, em sua coluna sobre o momento
dramático que o país vive: “Líderes do país promovem conflitos irresponsáveis;
baderna institucional aumenta”.
As pessoas
nas ruas e nos botecos da vida já discutem, com a maior naturalidade, se vamos
ter golpe, autogolpe, renúncia, impeachment ou parlamentarismo, como se
estivessem falando do jogo de domingo.
Enquanto
isso, a economia afunda e caminhamos para a anarquia generalizada, com os três
poderes se desmoralizando e milhões de desempregados vivendo ao relento.
Alguns
jornalistas até ganham medalhas do poder no Dia do Exército, mas a maioria está
sem emprego e sem espaço para contar o que está acontecendo.
Liberdade de
imprensa? Aonde? Para quem?
“Brasil cai
3 posições em ranking mundial da liberdade de imprensa”, informa a Folha
desta sexta-feira do feriadão.
Estamos
agora num honroso 105º lugar no relatório divulgado pela organização Repórteres
sem Fronteiras sobre a situação encontrada em 180 países.
Para nosso
consolo, ainda estamos longe do Turcomenistão, ex-república soviética que ocupa
a lanterna.
Se depender
dos valentes defensores da liberdade de expressão que apareceram nos últimos
dias, logo chegaremos lá.
Vida que
segue.
***
Ricardo
Kotscho é
jornalista.
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