Intoxicação Linguística, de Vicente Romano
Cada vez vale mais a pena ler A
Intoxicação Linguística, de Vicente Romano.
Pela sua
própria natureza, a informação é selectiva. Devido às limitações
espácio-temporais, aos condicionamentos profissionais, ideológicos, culturais,
etc., os jornalistas vêem-se sempre obrigados a seleccionar.
Quase nunca
dispõem do tempo, do espaço e da autodeterminação suficientes para dizer o que
gostariam. Daí que possa afirmar-se que um domínio superior da língua, o seu
uso consciente e competente, seja uma das qualidades fundamentais do
jornalista. Entre os jornalistas, embora sejam raros, podem existir casos de
ingenuidade profissional, mas em informação nada há que seja inócuo.
[…]
Em vez de
chamar as coisas pelo nome, esta retórica apresenta a guerra através da
metáfora de um jogo. Assim é quando se compara a guerra com partidas de póquer
ou de xadrez, ou quando se fala de “teatro de operações” excluindo-se, sempre,
as suas consequências mortais para a população. As metáforas da natureza
aparecem em terminologias como “guerra relâmpago” (um termo predilecto dos
nazis – Blitzkrieg), “ondas de bombardeamentos”, “tempestade do deserto”, etc.
Provoca-se, assim, a adesão da ideia das guerras à ideia das catástrofes
naturais contra as quais nada há a fazer que as possa evitar. As vítimas reais
perdem a sua condição de pessoas. Perdem-se tanques ou aviões, destroem-se
instalações militares, etc., mas omite-se o destino dos pilotos ou das vítimas
civis desses ataques. Os objectos adquirem, pela mesma via, uma condição humana:
trata-se de armas e bombas “inteligentes”.
Outro dos
recursos utilizados na desorientação ou, o que é sinónimo, na desinformação, é
o emprego de neologismos que ocultam a barbárie das acções bélicas. Os civis
mortos, as casas, escolas, hospitais, barragens, campos, colheitas, etc.
destruídos são apresentados como “danos colaterais”. Os indicadores de
distanciação reduzem, por seu lado, a credibilidade do inimigo. Começa-se com
“segundo fontes…” ou “o citado…”, para se prosseguir com a valorização dicotómica
entre bem e mal, na qual os bons “confirmam”, “advertem”, enquanto os maus
“enganam”, “ameaçam”. Os bons têm “governo”, os maus, “regime”.
O uso
correcto da língua contribui para a eficácia da comunicação, para o aumento do
conhecimento, quer dizer, para que a ignorância se reduza e para a ampliação da
liberdade humana. Por isso há que cuidar e dominar a língua, os recursos
expressivos para a transmissão de informações. Em tempos de guerra, de
incerteza e de angústia social como os actuais, é fácil recorrer ao
sensacionalismo, à manipulação orientada da emocionalidade. Sim, os
profissionais da informação não podem renunciar à sua sensibilidade ante a dor
e a exploração dos seres humanos. As suas reportagens e as suas palavras
reflectem a sua posição perante os factos, mesmo quando tentam ocultá-los. Mas
não se pode esquecer que estes profissionais são observadores, não actores. E,
ainda que a verdade possua muitas caras e seja difícil obtê-la por inteiro,
podem, sim, aproximar-se dela. in A Intoxicação Linguística, de Vicente
Romano.
Sem comentários:
Enviar um comentário