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sexta-feira, 30 de setembro de 2016

A perda do diálogo e do discurso



6. A perda do diálogo e do discurso

A “sociedade dos media” como por vezes se chama ao estádio atual da evolução medial, isto é, à era da comunicação eletrónica, não faz outra coisa senão pôr em evidência a necessidade de comunicação primária, dessa comunicação de contacto humano elementar. São frequentes as queixas pelas perdas na relação com os outros, da conversa distendida e calma, do debate e da troca argumentativa em diálogo. Se na televisão os problemas se resolvem em meia hora ao soco e aos tiros, na realidade as coisas não são assim. Aqui, todas as respostas suscitam novas perguntas. É também assim que acontece na ciência. Esta não existe apenas para fornecer respostas, mas também para construir novas perguntas. À semelhança do que caracteriza, igualmente, a relação humana elementar, na comunicação direta, cara a cara.

A relação unidirecional, sem retorno, não tem verdadeiro interlocutor. A chamada comunicação de massas é uma perda de presença. No diálogo, na relação inter-humana, a presença é o elemento decisivo. Na ausência, esse diálogo não existe. Qualquer pessoa conhece a diferença que existe entre a presença virtual e a presença real de uma outra.

É na conversação com o outro que o diálogo criador e a solidariedade podem emergir. Ora isto não interessa especialmente ao poder dos governantes que querem reger a sua confrontação com unidades o mais fechadas e isoladas possível.

Em comunicação, a tensão surge da possibilidade de contraposição a um tema comunicado um contratema, à dicção uma contradição, à imagem a contra-imagem. Porém, se os meios de comunicação difundem em uníssono o mesmo tema, aquilo que sucede é que o contratema, a contradição e a contra-imagem devem encontrar outro lugar onde articular-se. Em vez de diálogo, é monólogo aquilo que se tem.

Na era da televisão, cujo final se aproxima, a privacidade e autodeterminação aparentes da receção excluíram em larga medida as componentes dialógicas de comunicação e resposta. Até aqui, a técnica não tem permitido o diálogo porque o suporte comunicativo anula o princípio da assembleia, ao condenar os seus intervenientes à condição muda de mirones. Contemplam o aparelho como um móvel que possuem, enquanto os comunicadores, os produtores, se encarregam de conceber os seus consumidores enquanto meras grandezas estatísticas.

Para que nos aproximemos de uma sociedade homens e de mulheres livres, sociedade que jamais existiu na História, é preciso incrementar a participação da maioria no produto do seu trabalho e reduzir a parte da minoria. Mas aquilo que se verifica é precisamente o contrário. Bem-estar significa dispor de coisas, dominação significa dispor de pessoas e, no caso dos meios de comunicação, dispor do seu biotempo. Com o biotempo dos consumidores, os meios de comunicação apropriam-se da força de trabalho gratuita da perceção. Este é um elemento da economia de sinais. A força de trabalho dos espectadores é sugada por via do entretenimento, sendo trocadas as audiências, por euros e dólares nas cotações da manhã seguinte.

A comunicação é cada vez mais mediatizada e menos dialógica (Paulo Freire), o que equivale a uma perda do humano. As novas tecnologias permitem o diálogo virtual através da Internet. E é aí que o vazio dialógico desta chamada “sociedade da comunicação” tem a sua contrapartida ilusória, no êxito das seitas e dos grupos da Internet.

No diálogo direto, lê-se, na expressão do outro, aquilo que não se ouve. Ora o verdadeiro diálogo é hoje, para muitos, uma coisa demasiado exigente. Numa sociedade em que se dialoga cada vez menos, o diálogo genuíno torna-se cada vez mais difícil. A fasquia dialógica eleva-se, enquanto a fasquia da excitação baixa. Uma vez que a possibilidade de entendimento dialógico é menor, as emoções emergem com maior nitidez. A sociedade da imagem fica sem discurso.

( A intoxicação Linguística – Vicente Romano )


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