6. A perda do diálogo e do discurso
A “sociedade dos media” como
por vezes
se chama ao estádio
atual da evolução medial,
isto é, à era
da comunicação eletrónica, não faz outra coisa senão pôr em evidência a necessidade
de comunicação primária,
dessa comunicação de contacto humano elementar.
São frequentes as queixas
pelas perdas na relação
com os outros,
da conversa distendida e calma,
do debate e da troca
argumentativa em diálogo.
Se na televisão os problemas
se resolvem em meia
hora ao soco
e aos tiros, na realidade
as coisas não
são assim.
Aqui, todas as respostas
suscitam novas perguntas.
É também assim
que acontece na ciência.
Esta não existe apenas
para fornecer respostas, mas também para construir
novas perguntas.
À semelhança do que
caracteriza, igualmente, a relação humana elementar, na comunicação
direta, cara a cara.
A relação unidirecional, sem retorno, não tem verdadeiro
interlocutor. A chamada
comunicação de massas
é uma perda de presença.
No diálogo, na relação
inter-humana, a presença é o elemento
decisivo. Na ausência,
esse diálogo
não existe. Qualquer
pessoa conhece a diferença
que existe entre
a presença virtual e a presença real de uma
outra.
É na conversação com o outro que o diálogo criador e a solidariedade
podem emergir. Ora
isto não
interessa especialmente ao poder dos governantes
que querem reger
a sua confrontação com
unidades o mais
fechadas e isoladas possível.
Em comunicação, a tensão surge da possibilidade de contraposição
a um tema
comunicado um
contratema, à dicção uma contradição,
à imagem a contra-imagem. Porém, se os meios
de comunicação difundem em uníssono o mesmo tema, aquilo que
sucede é que o contratema, a contradição e a contra-imagem devem encontrar
outro lugar
onde articular-se. Em
vez de diálogo,
é monólogo aquilo
que se tem.
Na era da televisão,
cujo final
se aproxima, a privacidade e autodeterminação
aparentes da receção excluíram em larga medida as componentes
dialógicas de comunicação e resposta. Até aqui, a técnica
não tem permitido
o diálogo porque
o suporte comunicativo
anula o princípio da assembleia, ao condenar os seus
intervenientes à condição muda de mirones. Contemplam o aparelho
como um
móvel que
possuem, enquanto os comunicadores, os produtores, se encarregam de conceber
os seus consumidores
enquanto meras grandezas
estatísticas.
Para que nos
aproximemos de uma sociedade homens
e de mulheres livres,
sociedade que
jamais existiu na História,
é preciso incrementar
a participação da maioria no produto do seu trabalho e reduzir a parte da minoria.
Mas aquilo
que se verifica é precisamente
o contrário. Bem-estar
significa dispor de coisas,
dominação significa dispor
de pessoas e, no caso
dos meios de comunicação,
dispor do seu
biotempo. Com o biotempo dos consumidores, os meios
de comunicação apropriam-se da força de trabalho gratuita da perceção. Este
é um elemento
da economia de sinais.
A força de trabalho
dos espectadores é sugada por via do entretenimento,
sendo trocadas as audiências, por euros e
dólares nas cotações da manhã seguinte.
A comunicação é cada vez mais mediatizada e menos
dialógica (Paulo Freire), o que equivale a uma perda
do humano. As novas
tecnologias permitem o diálogo virtual através da Internet.
E é aí que
o vazio dialógico
desta chamada “sociedade
da comunicação” tem a sua contrapartida
ilusória, no êxito
das seitas e dos grupos
da Internet.
No diálogo direto, lê-se, na expressão do outro,
aquilo que
não se ouve. Ora
o verdadeiro diálogo
é hoje, para muitos, uma coisa demasiado exigente.
Numa sociedade em
que se dialoga cada
vez menos,
o diálogo genuíno
torna-se cada vez
mais difícil.
A fasquia dialógica eleva-se, enquanto a fasquia da excitação
baixa. Uma vez
que a possibilidade de entendimento dialógico
é menor, as emoções
emergem com maior
nitidez. A sociedade
da imagem fica sem
discurso.
( A intoxicação
Linguística – Vicente Romano )
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