Os jornais diante de um gorila
cibernético de uma mega tonelada
Por John Naughton em
24/05/2016 na edição 904
Muitos
anos atrás, o teórico político Steven Lukes publicou um livro influente – Power: A Radical View ,
no qual argumentava que o poder sempre vinha em três variedades: a faculdade de
obrigar as pessoas a fazerem o que não querem fazer; a capacidade de fazer elas
pararem de fazer o que querem fazer; e o poder de formar a maneira pela qual
elas pensam. Este último é o tipo de poder exercido pelos nossos meios de
comunicação.
A
mídia pode dar forma à pauta do público (e, portanto, política) selecionando as
notícias que as pessoas leem, ouvem e veem; e podem dar forma às maneiras pelas
quais as notícias são apresentadas. A “terceira dimensão” do poder de Lukes é
aquilo que é produzido, na Grã-Bretanha, por veículos como o programa Today,
da Radio 4, e os jornais The Sun e Daily Mail. E esse poder é
concreto: é por esse motivo que todos os governos britânicos dos últimos anos
sempre tiveram tanto medo do Daily Mail.
Mas
como o nosso ecossistema de mídia mudou com o impacto da internet, surgiram
novos corretores de poder. Durante muito tempo, o Google foi uma espécia
de gorila de 350 quilos neste setor porque o seu predomínio sobre as buscas
determinava o que as pessoas podiam encontrar no inimaginável terreno baldio do
ciberespaço. E a busca podia ser – e era – personalizada porque os algoritmos
do Google podiam descobrir aquilo que provavelmente mais interessava a
cada usuário e, portanto, que tipo de informação seria mais relevante para ele
ou para ela. Portanto, de uma maneira imperceptível mas inexorável, nós
passamos a viver naquilo que Eli Pariser chamou uma “bolha de filtro”.
Antes
da internet, nosso problema com a informação era a sua escassez. Atualmente,
nosso problema é uma abundância impossível de administrar. Agora, portanto, os
escassos recursos com que contamos são a atenção e o tempo, e é sobre eles que
estourou uma guerra terrível entre a mídia tradicional e as novas empresas
baseadas na internet. O “consumo” (uma palavra horrível, mas muito usada) da
velha mídia está decaindo, enquanto a mídia online vem conseguindo cada vez
mais a atenção e o tempo das pessoas.
No
momento, os maiores ladrões são o YouTube e o Facebook. O YouTube
conta com um bilhão de
usuários, metade dos quais o acessam via dispositivos móveis. Em
média, o tempo passado no site é de 40 minutos. O Facebook agora
reivindica contar com 1,65 bilhão de usuários ativos por mês, que passam, em
média, 50 minutos por dia em seus serviços. Portanto, se o Google é um
gorila de 350 quilos, o Facebook é um King Kong de uma mega tonelada.
As novas responsabilidades do Facebook
A
concorrência pela atenção e pelo tempo é um jogo que os meios de comunicação
tradicionais vêm perdendo. No desespero, eles tentam acalmar o Facebook
e aproveitar a maneira pela qual ele controla a atenção das pessoas. Muitos
editores registraram-se, por exemplo, no sistema Instant Articles, da
empresa, que permite que seu conteúdo seja baixado rapidamente nos dispositivos
móveis dos usuários. Mas o que isso significa – como recentemente destacou
Emily Bell [professora e diretora do Tow Center, da Universidade de Columbia]
em sua palestra no programa Humanitas, em
Cambridge – é que, na realidade, os jornais subcontrataram a
distribuição de seu conteúdo pelo gigante da internet.
Ao
fazê-lo, eles entraram numa verdadeira barganha de Fausto. Isso porque se os
editores podem facilmente despachar suas coisas para o Instant Articles, não
podem controlar os usuários do Facebook realmente
irão ver. Isso porque os textos que os usuários irão ler são decididos pelo
algoritmo do Facebook, que tenta adivinhar o que cada usuários gostaria
de ver (e o que poderia induzi-los a clicar num anúncio). Portanto, uma vez que
o conteúdo desapareça pelo bucho logarítmico do Facebook adentro, ele se
torna uma simples forragem para seus cálculos.
Isso
significa que atualmente o Facebook exerce o terceiro tipo de poder de
Steven Lukes – o mesmo tipo de poder exercido pelo editor do Daily Mail,
Paul Dacre, e pelo editor do programa de rádio Today. Mas quando você
questiona – como fez de maneira memorável o professor de Jornalismo George Brock
– se Mark Zuckerberg e seus sátrapas compreendem que passaram a ter
responsabilidades editoriais, eles ficam mudos. O Facebook não é um editor,
explicam eles, e sim, uma simples “plataforma”. E, além disso, nenhum ser
humano está envolvido na seleção de textos jornalísticos para os usuários: tudo
é feito por algoritmos e, portanto, é neutro. Em outras palavras: nada a ver
conosco; vamos em frente.
Isso
é bobagem, pelo menos no que se refere aos tipos de algoritmos de que estamos
falando aqui (uma rede do sistema
nervoso é outra discussão). Qualquer algoritmo que tenha que fazer
opções tem critérios que foram especificados por quem o projetou. E esses
critérios são expressões de valores humanos. Os engenheiros podem achar que
eles são “neutros”, mas a experiência já nos mostrou que eles são ingênuos em
termos de política, economia e ideologia. Se o Facebook quer se tornar
um canal de notícias, então tem que reconhecer que passou para uma esfera
diferente e adquiriu novas responsabilidades. E os editores que o absorvem
deveriam lembrar-se da definição de Churchill para acalmar-se: consiste no
processo de ser simpático a um crocodilo na esperança de ser o último que ele
comerá.
***
John
Naughton, é articulista do jornal The Guardian
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