Marcelo e seus acólitos
8 de Janeiro de 2016
Muito se tem escrito, ultimamente,
sobre Marcelo Rebelo de Sousa enquanto candidato a Belém. Mas tudo o que se
diga é pouco, pois o homem, espertíssimo e descarado, há anos que se anda a
preparar para esta corrida na convicção de que a verdade é irrelevante e o
fundamental é a simpatia e a propaganda. Com a ideia feita de que água mole em
pedra dura tanto dá até que fura. E a convicção de que somos um povo de brandos
costumes, reverente perante o chico esperto e desconfiado perante o rigor e a
seriedade. A que acresce a aura de catedrático. Mesmo que seja do embuste.
Porém, a generalidade dos analistas e comentadores de serviço, tem-se esquecido de abordar um ‘pequeno’ pormenor que é da maior importância e a mim muito incomoda: o papel que os media em geral e alguns jornalistas em particular, ao longo dos anos desempenharam como muletas de Marcelo. (RC)
Porém, a generalidade dos analistas e comentadores de serviço, tem-se esquecido de abordar um ‘pequeno’ pormenor que é da maior importância e a mim muito incomoda: o papel que os media em geral e alguns jornalistas em particular, ao longo dos anos desempenharam como muletas de Marcelo. (RC)
Com sinceridade, admito que um ou
outro desses jornalistas não tivesse plena consciência do seu lamentável papel
concreto, do qual depois, discretamente, se afastaram.
Refiro-me, obviamente, àqueles
profissionais da informação, alguns dos quais com créditos firmados na classe,
que, durante anos a fio, participaram nas missas dominicais – expressão feliz
de Mário Mesquita – ao lado do oficiante.
Não para fazerem perguntas ao
palrador principescamente pago, não para o contraditarem – apenas para dar a
aparência de um programa de informação (tais missas estiveram sempre integradas
nos Telejornais). Coisa que não poderia ser mais falsa e enganadora.
Os acólitos, por norma, limitavam-se
a meter uma bucha de quando em vez e assistiam, prazerosos e silenciosos, à
opinião do padre. Coniventes com as escolhas dos temas a ‘debater’ e com as
análises e comentários do sacerdote sobre a situação política do país,
assistiam seraficamente às classificações do professor sobre tudo e todos,
políticos incluídos.
Já no período final do espectáculo,
o grande comentador, que na melhor das hipóteses tinha lido as badanas,
apresentava 10 ou 15 livros (convenientemente seleccionados) que, às centenas,
as editoras se apressavam a enviar na esperança de uma publicidadezinha;
destacava e elogiava as mais diversas associações espalhadas pelo país e pela
diáspora; aplaudia desportistas de todas as especialidades e regiões que
tivessem obtido bons resultados; e por aí fora, sem esquecer, em muitos casos,
as despudoradas cenas da entrega, aos seus compinchas televisivos travestidos
de jornalistas, de pequenas e simbólicas prendas.
Quando tais missas terminavam, padre
Marcelo recolhia à sua residência paroquial e, organizado e noctívago,
contabilizava, no seu livro de campanha presidencial, os ganhos obtidos, as
populações tocadas/sensibilizadas, os autores referidos, os políticos que
chibatara e aqueles a quem passara a mão pelo pêlo.
Punha-se também ao telefone
madrugada dentro, trocando opiniões cúmplices. Consta até que, brincalhão, numa
noite em que foi à Festa do Avante, a alguns terá dito citando Ary dos
Santos: “Isto vai, meus amigos, isto vai”. E logo de seguida, para, como tanto
gosta, dar um ar de democrata e de esquerda qb, terá citado de cor, com uma
pequenina gargalhada mefistofélica, uma parte de um belo e conhecido poema do
grande Ary, embora introduzindo no último verso uma levíssima, mas
significativa, alteração:
“Serei tudo o que disserem,
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
Falso médico ladrão
Prostituta
proxeneta
Espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Político castrado não!
Porém – e nesta história há muitos
poréns – existe um pequeno senão: a careca começou a ser posta à mostra de
forma sistemática. E apesar do simpático ar de cordeiro assumido
despudoradamente, a campanha eleitoral muito tem trazido ao de cima – e muito
vai continuar a expor, pois há registos televisivos, radiofónicos e escritos
que outros candidatos têm trazido a lume, recorrendo a esse tesouro tantas
vezes esquecido que se chama memória. Para que se não possa vender gato por
lebre.
Voltando à televisão: simpático,
entretendo e enganando o pagode na presença de profissionais da informação
transformados em ‘entretainers’ complacentes, o espectáculo durou décadas – não
porque de comentário isento e sério se tratasse, mas porque as audiências eram
altas e a publicidade uma mina para as empresas televisivas onde o artista, bem
pago, actuava. O programa foi interrompido, só e apenas, pela ambição
irresistível de Marcelo em chegar a Belém.
Convencido por vozes amigas (entre
as quais as de muitos inimigos…) e pelas sondagens, candidato concluiu que a
sua corrida à Presidência eram favas contadas. Julgo bem que se enganou, mas a
ver vamos.
Porém, se acontecer aquilo que penso
e desejo, não será pelos efeitos de episódios tipo sopa Vichissoise que obrigou
Portas a engolir. Ou por cuspir noutra sopa, a de Balsemão, seu patrão no
semanário “Expresso”, jornal onde o apelidou alegremente de “Lelé da Cuca”…
Resumindo: se acontecer o que espero
e desejo, é porque a campanha em curso serviu e está a servir para, nas suas
sombras e nas suas luzes, mostrar o real carácter de Marcelo. E este ‘real’ que
aqui aplico não tem nada a ver com o facto do candidato ao mais alto cargo da
República Portuguesa, ser, há anos Presidente da Fundação Casa de Bragança –
criada por vontade de D. Manuel II, o último rei de Portugal, com a assinatura
de Salazar. Embora contribua para mostrar uma certa esquizofrenia marcelística,
que quer sempre ser uma coisa e o seu contrário.
Na verdade, a sua história pessoal e
política, aparentemente de grande êxito, é demasiado frágil e enganadora.
Prestigiado catedrático de Direito, simpático, bem falante, popular graças à
rádio (TSF) e televisão (RTP e TVI), este homem traz dentro de si, marcada a
fogo, a instabilidade e a pouca seriedade política. Intelectualmente muito
válido, como a muitos acontece por esse mundo fora não passa de um irrequieto e
simpático enganador que, para seu mal, vive na espuma dos dias e, ao contrário
do que diz, mentindo, o homem que quer substituir em Belém ( “Eu nunca me
engano e raramente tenho dúvidas“), Marcelo também não tem dúvidas mas
quase sempre (se) engana…
Com uma agravante: desabituado que
está a ser contraditado, ontem à noite, no debate televisivo com Sampaio da
Nóvoa, perdeu a fleuma e o ar superior, enervou-se publicamente como nunca se
vira, ficou encostado às cordas. Falta de treino, pois claro.
É a vida.
Ribeiro Cardoso
Boa Malha!
ResponderEliminarolá
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