.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Marcelo e seus acólitos - Ribeiro Cardoso



Marcelo e seus acólitos
8 de Janeiro de 2016


Muito se tem escrito, ultimamente, sobre Marcelo Rebelo de Sousa enquanto candidato a Belém. Mas tudo o que se diga é pouco, pois o homem, espertíssimo e descarado, há anos que se anda a preparar para esta corrida na convicção de que a verdade é irrelevante e o fundamental é a simpatia e a propaganda. Com a ideia feita de que água mole em pedra dura tanto dá até que fura. E a convicção de que somos um povo de brandos costumes, reverente perante o chico esperto e desconfiado perante o rigor e a seriedade. A que acresce a aura de catedrático. Mesmo que seja do embuste.
Porém, a generalidade dos analistas e comentadores de serviço, tem-se esquecido de abordar um ‘pequeno’ pormenor que é da maior importância e a mim muito incomoda: o papel que os media em geral e alguns jornalistas em particular, ao longo dos anos desempenharam como muletas de Marcelo. (RC)

Com sinceridade, admito que um ou outro desses jornalistas não tivesse plena consciência do seu lamentável papel concreto, do qual depois, discretamente, se afastaram.
Refiro-me, obviamente, àqueles profissionais da informação, alguns dos quais com créditos firmados na classe, que, durante anos a fio, participaram nas missas dominicais – expressão feliz de Mário Mesquita – ao lado do oficiante.
Não para fazerem perguntas ao palrador principescamente pago, não para o contraditarem – apenas para dar a aparência de um programa de informação (tais missas estiveram sempre integradas nos Telejornais). Coisa que não poderia ser mais falsa e enganadora.
Os acólitos, por norma, limitavam-se a meter uma bucha de quando em vez e assistiam, prazerosos e silenciosos, à opinião do padre. Coniventes com as escolhas dos temas a ‘debater’ e com as análises e comentários do sacerdote sobre a situação política do país, assistiam seraficamente às classificações do professor sobre tudo e todos, políticos incluídos.
Já no período final do espectáculo, o grande comentador, que na melhor das hipóteses tinha lido as badanas, apresentava 10 ou 15 livros (convenientemente seleccionados) que, às centenas, as editoras se apressavam a enviar na esperança de uma publicidadezinha; destacava e elogiava as mais diversas associações espalhadas pelo país e pela diáspora; aplaudia desportistas de todas as especialidades e regiões que tivessem obtido bons resultados; e por aí fora, sem esquecer, em muitos casos, as despudoradas cenas da entrega, aos seus compinchas televisivos travestidos de jornalistas, de pequenas e simbólicas  prendas.
Quando tais missas terminavam, padre Marcelo recolhia à sua residência paroquial e, organizado e noctívago, contabilizava, no seu livro de campanha presidencial, os ganhos obtidos, as populações tocadas/sensibilizadas, os autores referidos, os políticos que chibatara e aqueles a quem passara a mão pelo pêlo.
Punha-se também ao telefone madrugada dentro, trocando opiniões cúmplices. Consta até que, brincalhão, numa noite em que foi  à Festa do Avante, a alguns terá dito citando Ary dos Santos: “Isto vai, meus amigos, isto vai”. E logo de seguida, para, como tanto gosta, dar um ar de democrata e de esquerda qb, terá citado de cor, com uma pequenina gargalhada mefistofélica, uma parte de um belo e conhecido poema do grande Ary, embora introduzindo no último verso uma levíssima, mas significativa, alteração:
“Serei tudo o que disserem,
por temor ou negação:
Demagogo   mau profeta
Falso médico   ladrão
Prostituta    proxeneta
Espoleta   televisão.
Serei tudo o que disserem:
Político castrado  não!

Porém – e nesta história há muitos poréns – existe um pequeno senão: a careca começou a ser posta à mostra de forma sistemática. E apesar do simpático ar de cordeiro assumido despudoradamente, a campanha eleitoral muito tem trazido ao de cima – e muito vai continuar a expor, pois há registos televisivos, radiofónicos e escritos que outros candidatos têm trazido a lume, recorrendo a esse tesouro tantas vezes esquecido que se chama memória. Para que se não possa vender gato por lebre.
Voltando à televisão: simpático, entretendo e enganando o pagode na presença de profissionais da informação transformados em ‘entretainers’ complacentes, o espectáculo durou décadas – não porque de comentário isento e sério se tratasse, mas porque as audiências eram altas e a publicidade uma mina para as empresas televisivas onde o artista, bem pago, actuava. O programa foi interrompido, só e apenas, pela ambição irresistível de Marcelo em chegar a Belém.
Convencido por vozes amigas (entre as quais as de muitos inimigos…) e pelas sondagens, candidato concluiu que a sua corrida à Presidência eram favas contadas. Julgo bem que se enganou, mas a ver vamos.
Porém, se acontecer aquilo que penso e desejo, não será pelos efeitos de episódios tipo sopa Vichissoise que obrigou Portas a engolir. Ou por cuspir noutra sopa, a de Balsemão, seu patrão no semanário “Expresso”, jornal onde o apelidou alegremente de “Lelé da Cuca”…
Resumindo: se acontecer o que espero e desejo, é porque a campanha em curso serviu e está a servir para, nas suas sombras e nas suas luzes, mostrar o real carácter de Marcelo. E este ‘real’ que aqui aplico não tem nada a ver com o facto do candidato ao mais alto cargo da República Portuguesa, ser, há anos Presidente da Fundação Casa de Bragança – criada por vontade de D. Manuel II, o último rei de Portugal, com a assinatura de Salazar. Embora contribua para mostrar uma certa esquizofrenia marcelística, que quer sempre ser uma coisa e o seu contrário.
Na verdade, a sua história pessoal e política, aparentemente de grande êxito, é demasiado frágil e enganadora. Prestigiado catedrático de Direito, simpático, bem falante, popular graças à rádio (TSF) e televisão (RTP e TVI), este homem traz dentro de si, marcada a fogo, a instabilidade e a pouca seriedade política. Intelectualmente muito válido, como a muitos acontece por esse mundo fora não passa de um irrequieto e simpático enganador que, para seu mal, vive na espuma dos dias e, ao contrário do que diz, mentindo, o homem que quer substituir em Belém ( “Eu nunca me engano e raramente tenho dúvidas“), Marcelo também não tem dúvidas mas quase sempre (se) engana…
Com uma agravante: desabituado que está a ser contraditado, ontem à noite, no debate televisivo com Sampaio da Nóvoa, perdeu a fleuma e o ar superior, enervou-se publicamente como nunca se vira, ficou encostado às cordas. Falta de treino, pois claro.
É a vida.
Ribeiro Cardoso

2 comentários: