Marcelo e os media:
das contradições e do populismo à
manipulação pura e dura
19 de
January de 2016
O que não faltam no quotidiano das
salas de redacção são professores – isto é, antigos ou actuais docentes dos
vários níveis de ensino – sejam eles directores, comentadores, analistas,
cronistas, jornalistas, fotógrafos, operadores de câmara, informáticos, etc.
Mas conhecido por “o professor” só há um. Ele. Só que o currículo do mestre na
sua ligação aos media tem muito pouco de magistral – antes pelo contrário. (Fernando
Correia)
“O
professor”
Apesar de o cognome de Marcelo
Rebelo de Sousa (M.) se dever em grande parte à sua assumida intenção de explicar
a política aos outros, julgo interessante registar o depoimento de uma
jornalista que foi sua aluna há duas décadas na Faculdade de Direito de Lisboa.
Eis extractos de um recente texto online de Mafalda Anjos, directora
adjunta da Visão.
“Gostava de dar boas notas e, também
assim, ‘comprar’” a popularidade que granjeava na Faculdade. Fazia questão de
corrigir algumas dezenas de testes, para sentir o pulso à classe. Mas era tão
mãos-largas nas notas que até os próprios assistentes subalternos consideravam
tal generosidade estupidamente despropositada, e não o escondiam. Para quem
quisesse perceber, ficava logo ali bem claro que, com Marcelo, as coisas nunca
são o que parecem. Elogiar não é o mesmo que apoiar? Fumar não é o mesmo que
inalar? Na cabeça de Marcelo, claro que não. É possível, de facto, dizer tudo e
o seu contrário, sempre com um enorme sorriso na cara. (…) Embora adorado pelos
alunos, e de longe o professor mais popular da Faculdade no meu tempo (…) nunca
foi uma referência entre a doutrina em matéria de direito constitucional. (…)
Sempre que me lembro de Marcelo e dos tempos da faculdade, recordo o elogio
mais demolidor que alguma vez ouvi sobre alguém: ‘Gosto muito de o ouvir.
Costumo concordar sempre com ele, sobretudo nos assuntos que não conheço bem’”.
“Teria de
ser muito estúpido”
A relação próxima de M. com a tv tem sido muito falada, tendo em conta,
nomeadamente, os últimos anos de presença dominical na TVI. Mas é preciso
lembrar que o seu contacto com o público através da palavra e da imagem vem dos
anos 90, com presença regular aos microfones da Rádio Renascença e da TSF. Depois
veio a tv, entre 2004 e 2005 na TVI, entre 2005 e 2010 na RTP e logo a seguir
novamente na TVI, assim consumando uma longa utilização dos media enquanto
instrumento de notoriedade e de promoção pessoal. A sua acusação aos candidatos
adversários de que, ao contrário do que acontece com ele, não se lhes conhece a
posição sobre esta ou aquela situação ocorrida no passado, reveste-se de pouca
seriedade e muita hipocrisia.
O apego de M. ao megafone televisivo
não tem nada de desinteressado e tem muito de interesseiro. Interrogado, em
devido tempo, sobre a sua permanência na tv na hipótese de vir a ser candidato,
M. não hesitou na resposta: “teria de ser muito estúpido, e apesar de tudo as
pessoas reconhecem-me alguma inteligência, para, podendo ter uma tribuna, até
ao verão ou Outono do ano que vem, sendo as eleições em Janeiro de 2016,
decidir abandonar essa tribuna um ano antes”. O certo é que só nas vésperas do
anúncio da candidatura viria a deixar a preciosa “tribuna” (“lugar elevado de
onde falam os oradores” e “os pregadores”, diz o Houaiss).
Realmente, estúpido não será; mas
fica à liberdade do leitor escolher outros termos definidores do perfil da
criatura.
O vergonhoso
caso do Semanário
A ligação mais profunda de M. com os
media foi na imprensa, desde logo no Expresso. Num texto tido como
elogioso (Sol, 2.1.16) recorda-se que o semanário “era muitas vezes uma
arma política” e que “Marcelo chegava a escrever notícias sobre si mesmo”;
“inova na forma como se faz jornalismo em Portugal”, pondo, por exemplo, no
verão de 1979, “jornalistas a percorrer praias e festas em busca de intrigas
sociais.” Em 1981 entra para o governo presidido pelo dono do Expresso,
e então, já “do outro lado da barricada do jornalismo político, servia de
porta-voz de Balsemão e promovia fugas de informação selectivas para os
jornais. Era uma das fontes do então jovem jornalista Paulo Portas.”
Terminemos com a evocação – e não é
a primeira vez que o faço, praticamente com as mesmas palavras – de uma
história edificante sobre a ligação de M. à imprensa.
Em Novembro de 1983 saía o primeiro
número do Semanário (criado por M. e, entre outros, Daniel Proença de
Carvalho e José Júdice) em cujo Estatuto Editorial se fazia solene profissão de
fé na “liberdade”, na “Pátria”, na “bondade e dignidade do Estado”, na “unidade
nacional”, na “iniciativa privada”, na “sociedade das ideias”, no “orgulho da
História”, no “reencontro de um sentido espiritual como forma de ter fé na
vida”, numa “informação que seja o resultado do rigor no profissionalismo” e
numa “opinião que seja livre e tenha mérito”.
Mas as coisas não eram bem assim.
Treze anos volvidos, numa prosa
evocativa da efeméride (“Semanário, 13 anos”, in Semanário, 30.11.96), o
presidente do conselho de administração no tempo da fundação – M., pois claro –
veio confessar e vangloriar-se de que, afinal, por detrás daquelas palavras
estava “um projecto político militante”; que o que se pretendia com o jornal
era “contestar o Bloco Central e preparar uma alternativa de centro e direita
ao Partido Socialista liderante e ao Presidente da República em funções”; e
que, “politicamente, o Semanário cumpriu a sua missão”, na medida em
que, nomeadamente, “contribuiu decisivamente para a queda do Bloco Central,
para a ‘Nova Esperança’ e a subida ao poder de Aníbal Cavaco Silva”, e “em 1987
viu completado o seu desígnio na maioria absoluta do PSD, corolário da luta de
anos”.
Manipulação pura e dura, pois, de um
candidato a Belém que, sabiamente, Paquete de Oliveira classificou como “um
sagaz malabarista que faz do sofisma a maneira mais hábil para esconder a
mentira ou a contradição” (Público, 16.1.16).
Fernando Correia
19 janeiro 2016
19 janeiro 2016
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