Para
outono, tem estado um verão bem quente. O país sobrevive submetido a altas temperaturas noticiosas
e ninguém quer ficar mal na fotografia. Desde logo Cavaco Silva. O
Presidente da República, cansado de ver tanta gente a assenhorar-se dos
seus silêncios, viu-se obrigado a vir esclarecer o óbvio
e garantir ser alheio aos cenários construídos nos últimos dias pela
imprensa.
O ritmo noticioso e opinativo tem sido frenético. O país, em particular os
seus alicerces morais, éticos e políticos, estão sob ameaça. Nem sou eu
quem o diz. Basta ouvir e ler os discursos
editoriais hegemónicos. Estamos a caminho do caos e
constroem-se as mais diversas teorias da conspiração, quase sempre assentes
na consagração, recordou-o Augusto Santos Silva, de um direito divino da direita a
governar em Portugal, mesmo quando não consegue ter a maioria
eleitoral.
Com os acontecimentos a atropelarem-se ao minuto, vivemos uma nova era
comunicacional. Depois do jornalismo opinativo, passamos pelo jornalismo
interpretativo, e estamos
agora na fase do jornalismo adivinhativo, ontem explorado
pelo jornal I, entre outros, e hoje retomado pelo Sol com o seu "Cavaco deve dar posse a
Passos". Vale a pena, por isso, tomar atenção ao artigo
assinado por António José Teixeira no Expresso Diário, pelo seu equilíbrio e
ponderação.
Costa anda agastado com quem, no PS, fala sem conhecimento de causa.
Não por acaso, creio, a foto escolhida pelo Expresso para acompanhar esta
notícia mostrava Francisco Assis, cuja oposição aos entendimentos
à esquerda têm gerado muitos comentários, a favor e contra, em
particular nas redes sociais. Apostado numa batalha de esclarecimento,
Costa quis ser ele próprio a entregar o retrato da situação aos seus congéneres socialistas europeus
e deixar garantias
quanto às balizas das negociações encetadas à esquerda.
A situação é complexa e ecos do que por cá se passa já chegaram ao
estrangeiro, como reporta a revista francesa Marianne, ao assegurar que o
PS encontrou pontos de convergência com o
PCP "e o partido de esquerda".
Por cá, Passos Coelho, que lá por fora recebeu o apoio da família política do
PPE, aguarda com natural ansiedade o início e o fim das
conversas de Cavaco Silva com os partidos, agendadas para as próximas terça
e quarta-feira, e, diz o Público hoje em chamada à primeira página, espera ser indigitado
primeiro-ministro.
Uma das singularidades das duas últimas semanas passa por uma constatação:
os principais dirigentes políticos têm procurado falar pouco e, pelo
contrário, nos jornais, nas rádios e nas televisões, há infindáveis
oráculos em atividade frenética. O quadro pintado é de susto. Vêm aí os saneamentos,
presume-se que também o Gulag, é preciso ter cuidado com as criancinhas, os
mercados vão entrar em transe. Depois há a Nato, como muito bem lembrou
o Presidente da República no início do processo. Pois é, a Nato.
Esquecíamo-nos da Nato e da importância
histórica da Nato na opção de voto dos portugueses.
Costa tem tentado uma hipótese de governo diferente da habitual, mas até o representante de Deus em Lisboa
acha pouco natural o que o secretário geral do PS anda a fazer. Costa está
a esquecer-se do respeito
pela tradição tão caro a uma instituição milenar como a
igreja católica. E a tradição diz que um partido como o CDS, a quarta força
do Parlamento, tem direito a estar no Governo, mas o BE, terceira força,
não tem. Muito menos o PCP, é claro. De resto, e é uma dúvida que me
assalta e não vi ainda ninguém lançar para cima da mesa, pelo menos desta
forma tão assertiva: não deviam estes partidos ser proibidos por inúteis e inviáveis
no quadro democrático construído na Europa? Um partido que só serve para
enfeite, não é um partido. É uma jarra.
Com todos estes devaneios e comportamentos tão histriónicos, talvez
ganhássemos todos se irrompesse por instantes uma espécie de síndroma de John Cage
capaz de levar a uma geral audição de um dos seus mais impactantes
concertos para piano: 4' 33''. Assim se chama uma peça onde se mostra como até o silêncio pode ser subversivo.
Não há qualqquer nota. Não há qualquer movimento. Apenas o silêncio.
Faz-nos falta um pouco de silêncio. Já Eugénio de Andrade glorificava o fascínio
do silêncio em "Obscuro Domínio": "Quando a ternura/parece
já do seu ofício fatigada,//e o sono, a mais incerta barca,/inda
demora,//quando azuis irrompem/os teus olhos//e procuram/nos meus navegação
segura,//é que eu te falo das palavras/desamparadas e desertas,//pelo
silêncio fascinadas".
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