.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Síndromas e mais...

 Dá gosto (repousa...), nesta "altura do campeonato", ler e transcrever um texto como este... e ouvir um pouco de silêncio:
Valdemar Cruz
Por Valdemar Cruz
Jornalista

16 de Outubro de 2015

O Síndroma de John Cage



Para outono, tem estado um verão bem quente. O país sobrevive submetido a altas temperaturas noticiosas e ninguém quer ficar mal na fotografia. Desde logo Cavaco Silva. O Presidente da República, cansado de ver tanta gente a assenhorar-se dos seus silêncios, viu-se obrigado a vir esclarecer o óbvio e garantir ser alheio aos cenários construídos nos últimos dias pela imprensa.

O ritmo noticioso e opinativo tem sido frenético. O país, em particular os seus alicerces morais, éticos e políticos, estão sob ameaça. Nem sou eu quem o diz. Basta ouvir e ler os discursos editoriais hegemónicos. Estamos a caminho do caos e constroem-se as mais diversas teorias da conspiração, quase sempre assentes na consagração, recordou-o Augusto Santos Silva, de um direito divino da direita a governar em Portugal, mesmo quando não consegue ter a maioria eleitoral.

Com os acontecimentos a atropelarem-se ao minuto, vivemos uma nova era comunicacional. Depois do jornalismo opinativo, passamos pelo jornalismo interpretativo, e estamos agora na fase do jornalismo adivinhativo, ontem explorado pelo jornal I, entre outros, e hoje retomado pelo Sol com o seu "Cavaco deve dar posse a Passos". Vale a pena, por isso, tomar atenção ao artigo assinado por António José Teixeira no Expresso Diário, pelo seu equilíbrio e ponderação.

Costa anda agastado com quem, no PS, fala sem conhecimento de causa. Não por acaso, creio, a foto escolhida pelo Expresso para acompanhar esta notícia mostrava Francisco Assis, cuja oposição aos entendimentos à esquerda têm gerado muitos comentários, a favor e contra, em particular nas redes sociais. Apostado numa batalha de esclarecimento, Costa quis ser ele próprio a entregar o retrato da situação aos seus congéneres socialistas europeus e deixar garantias quanto às balizas das negociações encetadas à esquerda.

A situação é complexa e ecos do que por cá se passa já chegaram ao estrangeiro, como reporta a revista francesa Marianne, ao assegurar que o PS encontrou pontos de convergência com o PCP "e o partido de esquerda".

Por cá, Passos Coelho, que lá por fora recebeu o apoio da família política do PPE, aguarda com natural ansiedade o início e o fim das conversas de Cavaco Silva com os partidos, agendadas para as próximas terça e quarta-feira, e, diz o Público hoje em chamada à primeira página, espera ser indigitado primeiro-ministro.

Uma das singularidades das duas últimas semanas passa por uma constatação: os principais dirigentes políticos têm procurado falar pouco e, pelo contrário, nos jornais, nas rádios e nas televisões, há infindáveis oráculos em atividade frenética. O quadro pintado é de susto. Vêm aí os saneamentos, presume-se que também o Gulag, é preciso ter cuidado com as criancinhas, os mercados vão entrar em transe. Depois há a Nato, como muito bem lembrou o Presidente da República no início do processo. Pois é, a Nato. Esquecíamo-nos da Nato e da importância histórica da Nato na opção de voto dos portugueses.

Costa tem tentado uma hipótese de governo diferente da habitual, mas até o representante de Deus em Lisboa acha pouco natural o que o secretário geral do PS anda a fazer. Costa está a esquecer-se do respeito pela tradição tão caro a uma instituição milenar como a igreja católica. E a tradição diz que um partido como o CDS, a quarta força do Parlamento, tem direito a estar no Governo, mas o BE, terceira força, não tem. Muito menos o PCP, é claro. De resto, e é uma dúvida que me assalta e não vi ainda ninguém lançar para cima da mesa, pelo menos desta forma tão assertiva: não deviam estes partidos ser proibidos por inúteis e inviáveis no quadro democrático construído na Europa? Um partido que só serve para enfeite, não é um partido. É uma jarra.

Com todos estes devaneios e comportamentos tão histriónicos, talvez ganhássemos todos se irrompesse por instantes uma espécie de síndroma de John Cage capaz de levar a uma geral audição de um dos seus mais impactantes concertos para piano: 4' 33''. Assim se chama uma peça onde se mostra como até o silêncio pode ser subversivo. Não há qualqquer nota. Não há qualquer movimento. Apenas o silêncio. Faz-nos falta um pouco de silêncio. Já Eugénio de Andrade glorificava o fascínio do silêncio em "Obscuro Domínio": "Quando a ternura/parece já do seu ofício fatigada,//e o sono, a mais incerta barca,/inda demora,//quando azuis irrompem/os teus olhos//e procuram/nos meus navegação segura,//é que eu te falo das palavras/desamparadas e desertas,//pelo silêncio fascinadas".

Sem comentários:

Enviar um comentário