"Em 100 anos, nunca vi um partido comunista no poder que
governasse com eleições livres, com partidos políticos, com liberdade de
expressão, sem exilados, sem presos políticos."
António
Barreto, em entrevista à RTP 3, 21.10.2015
O contexto
António Barreto argumenta, neste trecho,
que nunca, no último século, um partido comunista chegou ao poder através de
eleições democráticas ou, tendo-o feito, que dessa ascensão ao poder não tenha
resultado uma limitação da democracia. Barreto, sociólogo, ex-presidente da
Fundação Francisco Manuel dos Santos, enumera as características de uma
democracia (eleições, partidos políticos, liberdade de expressão) e as
limitações às liberdades que resultariam da presença no Governo de forças
comunistas (exilados, presos políticos). Barreto pensava, possivelmente, nas
características dos Governos comunistas que, no século XX, instauraram regimes
que limitaram determinadas liberdades individuais e de organização política no
Leste da Europa, na então URSS (Rússia e restantes países da Ásia Central) e na
China. António Barreto, ele próprio, foi exilado na Suiça e não consta que
fosse vítima de algum partido comunista no poder em Portugal. Mas o
ex-comunista António e o ex-socialista Barreto gosta de participar em campanhas
de conveniência. E ou é doutorado em ignorância ou mentiroso compulsivo. Então,
há 100 anos? Contra essa professoral afirmação há outras evidências. Vejamos
algumas, de uma lista não exaustiva, e começando pelas mais recentes.
Os factos que ao media não divulgam
No regime presidencialista do Chipre, um
dos membros da União Europeia (por si só uma caução de valores democráticos), o
AKEL, Partido Comunista do Chipre, venceu as eleições presidenciais de 2008,
fazendo de Dimitris Christofias o Presidente do país até 2013, com assento no
Conselho Europeu e tendo mesmo assumido, na segunda metade de 2012, a
presidência rotativa da UE.
Mas não é caso único na União Europeia. O
Partido Comunista de França esteve várias vezes no Governo. A última das quais
entre 1997 e 2002, indicando dois ministros no Executivo liderado pelo
socialista Lionel Jospin, durante a presidência do conservador Jacques Chirac.
Já o fizera em governos de François Mitterrand (81-86). E mais atrás, mas
dentro dos “100 anos” que Barreto aponta: 1936, 1945 e 1946, dando início aliás
ao conceito de “frente popular” aplicado às alianças entre socialistas e
comunistas. O mesmo se passou em Espanha, onde uma coligação deste tipo
governou até à vitória das forças de Francisco Franco na Guerra Civil em 1939,
há 76 anos.
Voltando ao passado muito recente, e à
União Europeia, o Partido Comunista da Dinamarca integra agora a “Aliança Verde
Vermelha” que apoiou o primeiro Governo da social-democrata dinamarquesa Helle
Thorning-Schmidt entre 2011 e 2014. E este não é o último exemplo na
União Europeia… Até na Grécia, onde os comunistas são refractários a
entendimentos mesmo com a esquerda radical (Syriza), há uma experiência
governativa que os incluiu, em 1989.
Na Áustria, no Luxemburgo e na Finlândia
os partidos comunistas chegaram ao Governo logo após a II Guerra Mundial,
através de eleições. Em Helsínquia, o comunista Mauno Pekkala (1946-48)
foi Presidente. Na Suécia, normalmente apoiaram, no Parlamento, o partido
social-democrata, dando-lhe suporte.
Fora da Europa, basta lembrar dois
exemplos: o Partido Comunista do Brasil tem 57 prefeitos eleitos e faz parte da
coligação que elegeu Lula e Dilma para o Planalto. Há 40 anos, o Partido
Comunista do Chile, que hoje em dia tem cinco governadores estaduais, fez parte
do Governo da Unidade Popular (70-73) liderado por Salvador Allende, que venceu
as presidenciais, tendo sido assassinado pelo golpe militar de Augusto
Pinochet.
E um último exemplo que junta duas
curiosidades: o estado alemão da Turíngia tem um ministro-Presidente comunista.
Bodo Ramelow, do partido Die Link (que junta os antigo partido comunista da
Alemanha de Leste, o PDS, com outros sectores de esquerda), ficou em segundo
lugar nas eleições estaduais de 2014, atrás da candidata conservadora da CDU, o
partido de Merkel. Mas formando uma aliança com o SPD (partido-irmão do PS
português) e os Verdes, Ramelow formou um Governo de coligação maioritário do
Parlamento estadual.
Em nenhum destes exemplos há suspeitas da
supressão de liberdades individuais, direitos políticos ou repressão.
A conclusão
Ao contrário do que afirma António Barreto,
há vários exemplos, alguns atuais, de um “partido comunista no poder que
governasse com eleições, com partidos políticos, com liberdade de expressão,
sem exilados, sem presos políticos”.
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