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Liberdade de imprensa e poder económico


 
- Edição Nº2171  -  9-7-2015


Liberdade de imprensa
e poder económico

A recente proposta para «regular» a cobertura jornalística das próximas eleições legislativas apresentada pelo PSD/CDS e PS provocou tomadas de posição bem reveladoras do contexto e das características da actual realidade mediática nacional, assim como das orientações a que obedecem alguns dos seus principais protagonistas.

Sendo certo que a proposta constituía, digamos, uma absurda desconformidade, desde logo no plano jornalístico, e sobre a qual não nos vamos aqui demorar, a verdade é que alguns dos argumentos que se lhe contrapuseram foram bastante esclarecedores sobre as concepções dominantes entre quem, como dono ou como seu mandatário, manda na nossa comunicação social.
Em reacção à proposta logo surgiu uma tomada de posição de duas dezenas de responsáveis editoriais de importantes órgãos de informação1.
Começam por afirmar que "o projeto (PSD/CDS-PP e PS), que define as regras da cobertura noticiosa em período eleitoral, viola clara e objectivamente os princípios essenciais do jornalismo e a liberdade editorial". Defendem que "o exercício da actividade dos órgãos de comunicação social assenta na liberdade e na autonomia editorial" e que "o direito a informar dos jornalistas e o direito de os cidadãos serem informados não podem ser condicionados nem limitados pelo poder político". Garantem que "não se demitirão de respeitar e de exigir respeito pelos seus direitos e deveres constitucionais de informar com sentido de responsabilidade, levando este imperativo até às últimas instâncias" (itálicos nossos).
Tudo bem – mas com um veemente e poderoso senão: onde está, no meio de tudo isto, o poder económico? Os directores invocam, legitimamente, os seus «deveres e direitos constitucionais». Mas tal invocação deveria ser feita por inteiro. Se é certo que a «liberdade de imprensa» é um princípio constitucional, não o é menos que tal princípio adquire na lei fundamental um conteúdo mais vasto, ao estabelecer claramente a necessidade da «não concentração da titularidade dos meios de comunicação social» e da sua «independência perante o poder político e o poder económico» (itálico nosso).
É legítimo perguntar: será que os princípios essenciais do jornalismo e a liberdade e a autonomia editorial, os deveres e direitos constitucionais de informar com sentido de responsabilidade, serão possíveis de respeitar e cumprir por directores de informação e jornalistas em geral, no contexto de uma comunicação social dominada por critérios mercantilistas e pelos imperativos do negócio?
Francisco Pinto Balsemão, ouvido à saída de um encontro com o PSD e o CDS, foi muito claro ao exigir «que nos deixem abordar as campanhas eleitorais como entendermos». Falava em nome da Plataforma dos Media Privados, que reúne os principais grupos económicos do sector – isto é, em nome de quem pode e manda. 
Elevado grau de concentração 
A verdade é que a propriedade dos principais órgãos de comunicação nacionais atingiu um muito elevado grau de concentração. Os cinco maiores grupos de media são proprietários de praticamente todos os órgãos de maior importância e influência, exceptuando o que pertence à Igreja Católica (grupo Renascença e imprensa regional) e ao Estado (RTP – Rádio e Televisão de Portugal e agência Lusa). Sublinhe-se que a influência dos media sobre as formas de pensar e agir não se exerce apenas através das notícias, mas também, nomeadamente, através dos conteúdos do entretenimento, na TV mas também na imprensa. A quantidade e as tiragens das revistas cor-de-rosa suplantam de forma avassaladora as dos diários e semanários de informação…
Em anexo apresentamos o perfil desses grupos, incluindo apenas o que tem a ver directamente com o sector da comunicação social, e indicando no final o nome de quem encabeça o grupo. Praticamente todos os órgãos mencionados estão presentes, com maior ou menor força, nas plataformas digitais, e alguns existem apenas online.
Outros órgãos com alguma expressão estão igualmente associados a grupos económicos, como os jornais Diário Económico e Semanário Económico e a ETV (S.T. & S. F., Sociedade de Publicações Lda), e os jornais Sol e i (Newshold). E há, principalmente, o caso do Público que, juntamente com a Rádio Nova, pertencem, com todo o significado e implicações que isso tem, a um dos mais poderosos grupos económicos nacionais (a SONAE, através da SONAECOM), ainda que a sua presença seja marginal no grupo. 
Ligação estrutural 
Sem entrar em pormenores sobre a composição do capital social de cada empresa e de cada grupo, fácil é no entanto perceber – e daí extrair as necessários ilações a nível económico, político e ideológico – a profunda ligação, de natureza estrutural, entre os media dominantes e a sociedade capitalista em que vivemos. Através da propriedade, naturalmente, mas também, por exemplo, no alargamento da implantação destes grupos noutras áreas do sector, na sua proximidade com o capital financeiro e, principalmente, na sua dependência da publicidade
Três destes grupos – Impresa, Cofina e Global – são proprietários, em partes iguais, da VASP, a maior distribuidora nacional de jornais e revistas. Alguns deles possuem grandes empresas gráficas: é o caso da Global, dona da Naveprinter, que imprime todos os jornais do grupo e outros de âmbito regional. A Global e a Impresa são accionistas, respectivamente com 23,6 por cento e 22,35 por cento, da agência de notícias Lusa, uma das duas empresas de comunicação social propriedade do Estado, ainda que detentor de apenas 50,14 por cento.
Quanto à proximidade ao capital financeiro, registe-se uma constante no capital social destes grupos: a presença, directa ou indirecta, da banca. A maior participação directa verifica-se no Global Media Group, através do Millennium bcp e do Novo Banco (com 15% cada), mas na Impresa estão o BPI e o Santander, na Media Capital a Caixa de Aforros da Galiza, na Cofina o Crédit Suisse e o Santander.
No que se refere à publicidade, e tomando como exemplo, aleatoriamente, Fevereiro passado, o primeiro lugar das empresas/grupos investidores nos media nacionais foi ocupado pela Unilever / Jerónimo Martins (Pingo Doce e Recheio), seguida pela Vodafone. No top 20 (os números são da Markteste/Media Monitor) figuram também outros nomes conhecidos: Modelo Continente, Portugal Telecom, Johnson & Johnson, Danone, Renault, L’Oreal, Lidl, Worten-SONAE, NOVARTIS e Nestlé; e outros menos conhecidos: European Home Shoping, Reckitt Benckeiser, Bliss-Repger-Repres, Procter & Gamble – trata-se de multinacionais vocacionadas para o comércio por grosso, que agregam centenas de marcas com que lidamos diariamente, aqui e em dezenas de outros países, relativas a produtos vários de utilização doméstica ligados à limpeza, alimentação, cozinha, cosmética, saúde, etc. 
Negócio e influência 
A comunicação social tem muito poder. Mas o poder maior é o de quem manda na comunicação social. O poder de quem, geralmente vindo de outras áreas, julgou aqui descobrir uma boa oportunidade de negócio – exceptuando, no que se refere aos grandes grupos, o caso de Balsemão, sobrevivente do tempo, que se prolongou até aos anos 60, em que a grande imprensa era propriedade de grupos familiares tradicionalmente ligados ao sector.
Há pouco mais de uma década dizia o industrial Paulo Fernandes, patrão da Cofina: «Os media foram uma oportunidade que nos apareceu, é um sector bastante atraente porque exige muito menos investimento de reposição, (…) é possível crescer sem grandes investimentos. (…) A imprensa é muito rentável, escandalosamente rentável.» Em relação à compra do Correio d Manhã, em 2000, pelo equivalente a cerca de 50 milhões de euros: «Foi um excelente negócio, mesmo tendo em conta o preço que se pagou. Foi um preço alto, porque estávamos numa altura em que os preços estavam inflacionados, mas as melhorias que conseguimos obter na gestão superaram as nossas expectativas em relação à avaliação que tínhamos feito.»2
Hoje, pelo menos para alguns que nela apostaram, a imprensa já não será o negócio que parecia ser, e por isso discutem a necessidade de encontrar novos «modelos de negócio». Escusado será dizer que não se lhes conhece nenhuma reflexão sobre outros pequenos pormenores do negócio, por exemplo os novos desafios que se colocam a um jornalismo digno desse nome…
Mas será a comunicação social, em todos os casos, apenas, ou sequer principalmente, uma forma de ganhar dinheiro? Belmiro de Azevedo tem perdido ao longo dos anos milhões de euros com o Público: será com negócios como este que o patrão da SONAE figura entre as três maiores fortunas do País?
Paes do Amaral (então à frente da Media Capital), a propósito da polémica, aqui há anos, sobre a privatização da RTP 2, foi eloquente: «os media são um negócio», dizia ele. «É assim que os vejo e, estou certo, Pinto Balsemão também. Mas os media têm também influência e poder, duas coisas que outros negócios não têm.» E continuava: «É perfeitamente natural que existam lobbies político-económicos interessados em comprar uma televisão. Sãolobbies que não estão interessados em ganhar dinheiro. Têm outras razões, querem ter influência...».
Retomando uma formulação já com cerca de uma década, julgo importante sublinhar que o predomínio no sistema dos media do factor económico sobre o informativo, ao mesmo tempo que é um sintoma do mercantilismo (comunicacional, jornalístico, cultural, etc.) dominante, enquadra-se também, numa perspectiva global, na ofensiva das políticas neoliberais, das quais a concentração da propriedade dos media nas mãos do grande capital é umsustentáculo, um amplificador e um instrumento. A informação e a comunicação constituem terreno privilegiado para uma intensa luta ideológica e um confronto de interesses de vária natureza. Ter em conta este facto é uma condição essencial para entender e intervir na realidade em que nos movemos.
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1 O texto é assinado pelos directores de informação do Correio da Manhã, Diário de Notícias, Diário Económico, Expresso, i, Jornal de Negócios, Jornal de Notícias, Lusa-Agência de Notícias de Portugal, Observador, Público, Rádio Renascença, RDP, RTP, Sábado, SIC, SIC Notícias, Sol, TSF, TVI e Visão.
2 Para referências das citações feitas ver Jornalismo, Grupos Económicos e Democracia, Caminho, 2006, pp 46 a 49.
 
Cofina
Televisão: Correio da Manhã TV (‘cmTV’).
Jornais e revistas: Correio da Manhã, Record, Jornal de Negócios, Destak, Destak Brasil, Metro, Sábado, Máxima, TV Guia, Semana Informática, Flash!, Vogue, GQ.
– Paulo Fernandes.
Global Media Group
Jornais e revistas: Diário de Notícias, Jornal de Notícias, O Jogo, Diário de Notícias da Madeira, Açoriano Oriental, Jornal do Fundão, Volta ao Mundo, Evasões.
Rádio: TSF.
– Joaquim Oliveira, sendo que desde o ano passado o angolano António Mosquito detém a mesma percentagem de capital (27,5%).
Impala
Revistas: Maria, Nova Gente, VIP, TV 7 Dias, Ana, Nova Cozinha, Soluções, Segredos Cozinha, etc. Uma das características deste grupo é a frequência com que encerra e cria publicações.
– Jacques Rodrigues.
Impresa
Televisão: SIC, SIC Notícias, SIC Radical, SIC Mulher, SIC K, SIC Internacional, SIC
Caras.
Jornais e revistas: Expresso, Visão, Visão Júnior, Visão História, Jornal de Letras, Exame, Exame Informática, Courrier Internacional, Blitz, Activa, Caras, Caras Decoração, Telenovelas, TV Mais.
– Francisco Pinto Balsemão.
Media Capital
Televisão: TVI, TVI 24, TVI Internacional, TVI Ficção.
Rádio: Rádio Comercial, M80, Cidade FM, Vodafone FM, Smooth, Cotonete.
– Rosa Cullel, representando o accionista maioritário, a Vertix, propriedade da multinacional espanhola Prisa (El País, As, Cadena Ser, etc.), com forte presença na América do Sul.


Fernando Correia
 

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